DA MINHA PELE CUIDO EU E DOS TOQUES DO MEU CORAÇÃO
Fique com minhas memórias
Histórias
Metade do enredo
As fotos todas
Paredes poeiras
Areias e o cimento
Que da minha pele cuido eu
E dos batidas do meu coração.
Fique
Estoque
Retenha
Tome posse dos resíduos
Dos gestos e ruídos
Da moral
Das lições
Aflições e mágoas todas
Dos botões e das agulhas
Das fissuras
Dos meus uivos
E contradições
Da minha pele cuido eu
E dos toques do meu coração
Tome posse das ações passadas
Das superstições tolas
E das adivinhações
Da metade do meu mundo
Das plantas
Dos pentagramas
Das linhas dos carretéis e dos anzóis
Parte do meu sangue
O suor todo
Do acúmulo e da falta
Dos anéis dos víeis e dos dedos
Que da minha loucura cuido eu
Da minha pele
E dos toques do meu coração
Fique
Estoque
Retenha
Tome posse
Da trilha na mata e dos passos marcados
Da areia da praia
Caramujos e conchinhas
Da mais valia
E do vinho do Porto
Junte as mesquinharias
E toque fogo
Da minha poesia
Dúvidas e das dívidas
Os juros absurdos
E da minha pele cuido eu
E das batidas do meu coração
Estoque as talhas, telhas e trilhos
Os silêncios intermináveis
Metades do meu mundo
Do chumbo
E do ouro
Dos latidos noturnos
Deixe-me com meus os ventos e tempestades
parte dos livros
Os poemas são meus
Da minha pele cuido eu
E dos toques do meu coração
Fique
Estoque
Retenha
Tome posse
Do que é certo e do duvidoso
Do bônus
Parte do ônus
Das verdades
E das reminiscências
O manual
O absoluto
O obsoleto
Os louros
O lero-lero vão
As crenças e as querências
e até os amigos, fique, aproveite
se deleite se preciso
Deixe-me as dúvidas todas
As dívidas pagarei aos poucos
Com correção
Da minha pele cuido eu
E dos toques do meu coração
Fique
Estoque
Retenha
Tome posse
Do portão
Das cartas e extratos bancários
Parte do ganho
Dos parafusos enferrujados
Maçanetas, degraus e o sal dos alimentos
Da madeira
Adornos
Metade do sol
Mas o luar quero inteiro
E levo ainda o azul
A nuvem
Os jeans
As camisas brancas
O porvir
E vou por aí, assim, só e bem acompanhado
Da minha pele cuido eu
E dos toques do meu coração.
....
“Vá, se mande, junte tudo/ Que puder levar/ Ande, tudo que parece seu/ É bom que agarre já.../ E não tem mais nada, negro amor/ A estrada é pra você/ E o jogo é a indecência/ Junte tudo que você conseguiu/ Por coincidência.../Sob seus pés, o céu também rachou/ E não tem mais nada, negro amor.../ Seu namorado já vai dando o fora/ Levando os cobertores, e agora?/ Até o tapete, sem você, voou/ E não tem mais nada, negro amor./ As pedras do caminho/ Deixe pra trás/ Esqueça a roupa que foi sua/ Risque outro fósforo, outra vida/
Outra luz, outra cor/ E não tem mais nada, negro amor/ E não tem mais nada, negro amor/Negro amor... (Bob Dylan, versão Péricles Cavalcante)