O AMOR EM MISSIVA BREVE

Ah! Amor de minha vida! De ti, eu tentei fugir,

mas já não pude. Pegou-me pelo pé o inevitável e rude

contra-senso da paixão. E eu, não mais etéreo.

Então, tentei cantar, sonir, na esperança de que tal,

fizesse-me esquecer-te, ou te fizesse sorrir.

Mas nem pranto, nem canto. Não converti palavras exaustas, em música de câmara, sequer uma melodia ao vento.

Na ligeireza de teu olhar, compreendi, mais até,

intuí a morte de um sonho sonhado em partes trepidantes,

soluços temporais, cortados em pedaços, como nacos

de pão, e que não me explicam, e nem a ti.

Tenho saudades do futuro, saudades tenho de ti.

Quantos momentos deixados ao largo, infecundos, perdidos, desencontrados gritos pela noite. Quanto silêncio espectral, quanta paixão de roer o estômago.

Vi em teu olhar fugidio de Capitu, a morte de um sonho

que esperei sonhar junto, morte em Veneza,

Hotel dês Bains, em que não fui contigo, não fui tão só,

sequer sei se ainda existe, ou se existiu jamais.

Cimitarras de estanho lanham rudemente minhas

costas, e abrem minhas culpas, como feridas arruinadas.

Mimetismo e tantas mentiras, consciência dissimulada,

ou não, mas de costuras tão fracas, esgarçadas, que são

incapazes de conter os momentos doces, relembrar um passado recente, reincidente em seu fracasso.

É dura a masmorra à qual nos sentenciamos.

É doloroso ver executada a sentença de morte de um amor

que se fez para ser eterno. Impávido colosso.

Hoje jaz insepulto num coração dissonante.

Se não puder vencer o amargor, a tristeza ativa e densa

que nos envenena; Se não puder sentir saudades, sem justificação; Se ainda posso esconder-me na placidez de um alheamento estudado, então, não é mais amor, posto que tenha sido, pois só intenso e visceral se compreende

o gozo continuado, em que o amor é perder-se.

Primeiro, tentei a fuga, não fugi. Depois, entregue, tentei plasmar meu sentimento por ti, em uma estrela nova, quando o reconheci na faísca entre meus olhos, mormentemente baços. Mas, qual alquimia? Qual roteiro de monção tépida, permite alcançar a plena quietude?

Como tomar este amor pelo braço, e anuncia-lo à mulher que lhe é caudatária?

- “Eis aqui o belo homem que as gerações almejam,

desde a imemória dos tempos. Ei-lo em seu terno de linho,

com seu sorriso encantado de criança. Cuide de tratá-lo como o teu bem mais precioso. Amamente-o com teu leite de loba, proteja-o do frio, em teu colo de mãe, para o alvorecer do futuro. Recebesses, por ventura, o meu amor desabrido em teu seio, e é provável, então,

que rebrilhasse a estrela; Que se enchessem de vida

os teus mares de ausência; Que tua casa, ou ninho, reverberasse do fluxo sangüíneo de tuas veias,

e minhas, de veias alheias.

É provável, então, que nos tornássemos matéria viva, como plantas da floresta, com o frescor de folhas verdes, contrastando o azul do céu. Não mais, estatuas de sal, como o somos agora. Em tua dúvida, reconheço-me frágil, ao exílio do sentir.

Não ter mais a simplicidade de um beijo de amor veraz, pura riqueza de estar e de ser, sem ser, de um querer sem fim, sem agregar perguntas e distâncias, se não aquelas naturais para reter nos olhos o enquadramento e o foco

de toda a grandeza, de teu corpo no meu, de tua alma em minha alma. Um amor que foi tudo, e do qual nada sobrou.

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 19/01/2007
Reeditado em 20/01/2007
Código do texto: T352769