DESDITA

Para que chorar, querida minha

Se o amor volta à tardinha

Para de novo amar?

De um enleado amor

Tornou-se-me as uvas

De que outrora provara

O dulcíssimo sumo

Que ao vinho prepara.

Tambem tornou-se-me

A mente, a seiva do beijo

O que, embora ausente

O que já houvera sido

Um sonho campestre

Em sobrevôo silente.

Um sonho vivido

Presente o desejo, almas

Sortilégios e momentos.

Tornou-se-me com as uvas

O que houvera eu perdido.

Se há pássaros novos

Há novos cantos nos ninhos.

Para que chorar, nada havendo

A festejar nesta noite tão fria?

Há a canjica quente na festa da igreja;

A aguardente do povo, honesta

Que na alta serrania, inebria.

Os boleadores, laçando emas na campina;

Os campeiros dos pampas, em seus tordilhos;

Os pasteis de Sta. Clara

Nos castiços conventos lusitanos;

Correndo na relva, sempre

Uma criança pequenina.

E nada que pertube. Nenhum vento

Há, turvando o mar.

Esta distância, este lamento que não Desacredita; este amor, de chorar

Quase desdita, é um amor preciso

Sem paralelo.

Para que chorar, para que chorar?

Se o teu sangue é vermelho

Teu amor não pode ser amarelo.

Alem de que, não há corações

Sozinhos, na hora do enternecer.

Ricardo S. Reis

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 12/09/2007
Código do texto: T648607