DESDITA
Para que chorar, querida minha
Se o amor volta à tardinha
Para de novo amar?
De um enleado amor
Tornou-se-me as uvas
De que outrora provara
O dulcíssimo sumo
Que ao vinho prepara.
Tambem tornou-se-me
A mente, a seiva do beijo
O que, embora ausente
O que já houvera sido
Um sonho campestre
Em sobrevôo silente.
Um sonho vivido
Presente o desejo, almas
Sortilégios e momentos.
Tornou-se-me com as uvas
O que houvera eu perdido.
Se há pássaros novos
Há novos cantos nos ninhos.
Para que chorar, nada havendo
A festejar nesta noite tão fria?
Há a canjica quente na festa da igreja;
A aguardente do povo, honesta
Que na alta serrania, inebria.
Os boleadores, laçando emas na campina;
Os campeiros dos pampas, em seus tordilhos;
Os pasteis de Sta. Clara
Nos castiços conventos lusitanos;
Correndo na relva, sempre
Uma criança pequenina.
E nada que pertube. Nenhum vento
Há, turvando o mar.
Esta distância, este lamento que não Desacredita; este amor, de chorar
Quase desdita, é um amor preciso
Sem paralelo.
Para que chorar, para que chorar?
Se o teu sangue é vermelho
Teu amor não pode ser amarelo.
Alem de que, não há corações
Sozinhos, na hora do enternecer.
Ricardo S. Reis