A INDÚSTRIA DO MANACÁ.

INDÚSTRIA DO MANACÁ.

Elegia para o meu pai: um poeta silencioso.

(Quinta rima)

Foi por volta se bem me lembro,

Lá pelos idos de quarenta e nove.

Quando, findava a construção da ponte.

Anos, eu os tinha sete ou oito,

Em meados ou começo de setembro.

Era tosca, preta de antigo madeiro,

Chão batido irregular e telha canoa.

Seu diretor e “expert” superintendente,

De muita experiência e técnica boa,

Seu Paulo Serrador, o latoeiro.

Na hierarquia da indústria, o primeiro.

Muito viajado, intuitivo e inteligente.

Trabalhador obstinado, quase teimoso.

Nos compromissos era sério e decente,

Esse intrépido e incansável pioneiro.

Da pequena indústria de transformação.

Um sonho que se faria o sustento,

Da pequena prole, então existente,

Que apresentava sinais de aumento,

Pra comer da modesta linha de produção.

Da fábrica, oficina de latoaria,

Conhecida pelos varejistas dos arredores,

Que distribuíam os artefatos no sertão.

Até então, tidos como os dos melhores,

Inovados até pela sábia metalurgia.

A sua principal fonte de inspiração,

Marketing, mídia, visão e prática,

Fundamentada quase na única atividade,

Nativa, artesanal e muito náutica.

A captura incessante do camarão.

Surgiu o primeiro e correto lançamento,

Responsável pelo bom índice de produção.

A lamparina se assanha em lambisgóia,

De fifó e pomboca vira lampião,

Na propaganda do boca a boca, “mui lento”.

Sem capital de giro que a ordene.

Havia muito sacrifício e produção lenta.

Só na persistência se atrevia,

Lançando a forma de mãe-benta,

Boião, chocolateira e bomba de querosene.

Recessão na economia, talvez exportar.

Novos mercados, mas muito exigente.

Por via terrestre ou marítima,

Uma saída muito audaz e inteligente,

Pra vender a lamparina de “dois andar”.

Resolvido: exportar por via terrestre então,

Depois de acurada a prima qualidade.

Embalada em papel velho e jornal,

A manufatura em sua individualidade.

Aos herdeiros, ao ombro, o cambão.

Cedo, de madrugada partia a caravana,

Tríplice, no silêncio das estradas,

Ouvindo as proezas saudosas de Jaguarão.

Epopéias, causos de duvidosas quarteladas,

Em Dom Pedrito, Livramento e Uruguaiana.

Era o nosso itinerário em busca do pão.

Marginalizando a lagoa acesa de pescadores,

Pelas lamparinas da nossa latoaria,

Que bordavam as margens em esplendores,

Com a sabedoria de um homem de visão.

Sucesso era o que não faltava não.

Urgia modificar o primitivo transporte,

Dado a quantidade, para alívio dos herdeiros.

A tentativa de evolução não deu sorte,

Com a compra do sarnento Napoleão.

Enfartado e exausto morreu na brancura,

De uma viagem festiva e inaugural.

Seu Paulo, orgulhoso, sentado na boléia,

Não merecia o trágico desfecho fatal,

Que nos trouxe muita desventura.

Com o desaparecimento da cavalgadura,

Sobraram os arreios, a carroça e o pelego,

Que ainda transitam sôfregos por mim,

Nos meus sonhos de lembranças e apegos,

Ainda vejo uma velha e antiga ferradura.

Eráclito Alírio.

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 21/11/2006
Código do texto: T297182