A FINISTERRA

E haviam-se os franceses

e noutro canto, os ingleses

e, sabem bem, os romanos

as voltas com a egrégia lida

de soerguer por mil vezes

a ocidental civilização.

Traziam o sentido gregario

e a estruturas sobrepostas

do entendimento do mundo

desde a Helade filosófica

desde a cristandade guerreira

dos cavaleiros templários

e edificaram a Europa

indo dos balcãs desérticos

ou aos umbrais romenos

indo das festas nórdicas

até a soturna Escócia

e edificaram a Europa.

A concentração de poderes

pedia a industriação dos impérios

a inventiva dos engenhos

pedia a expansão dos domínios

a dominação dos mistérios.

Na era pré-burguesa

Expandia-se o comércio de haveres.

Mas haviam povos que seguiam

sempre adelante

os quais vagavam errantes

acalentando, por artes

sortilégios e segredos iniciáticos

a cabala, linhas divinatórias

a leitura das estrelas

os seres da florestas

nas planices e nos vales.

Eram povos do deserto, ciganos

mongóis, curdos e persas

eram judeus e eram celtas

desde os Alpes, nos rochedos

e eram, ainda, outros tantos

que vagavam à razão dos enganos

no desterro, vertendo prantos.

Corriam em busca do ouro

pelo sonido ou pelo brilho.

Atendiam a belos cânticos

e as libações na floresta druidesa.

Tratavam-se todos por lobos

uivando à lua, a tristeza.

E por serem, então, os que erram

tocados assim, deste mundo

viram-se na beira, na Ibéria

chegados à FinisTerra.

Porto da Galia, gauleses

nômades galegos

mouros, portugueses

os que sobraram, o sobejo

a ver navios do porto

pisando por sobre os seixos

capazes de desvario

para cumprir os seus vaticinios.

Iniciam-se ao mar, pelo Tejo.

E Alem-Mar? O que virá?

De nada sabiam, por certo.

Sabiam que no Velho Mundo

nada mais havia a palmilhar

na sina de viramundo.

Mas a insuspeita aventura

equivalia a lançar-se ao incerto

das descrições virgilianas.

A homens tais não se lhes

acusem o medo

que haveria, decerto

pois o brilho estava

em lançar-se do porto

ao sol cedo, a transitar Mar Aberto.

E porque se iam?

Iam-se aos anseios de ventura

Iam ver novos horizontes

Iam-se ao barqueiro

na travessia do Aqueronte.

Cristãos novos

Pereiras, Oliveiras, Almeidas

iam-se os degredados

as oportunidades das Terras Novas.

Se voltassem da imensidão

eterea do alem-mar

se retornassem vivos

do vasto reino da algas

cobertos de riquesas se iam

a desposar as fidalgas

que de amores, no continente

feneciam, definhavam.

Voltariam e teria-se o feito

que Vasco da Gama não venturou.

Sorte maior não haveria

que o contornar do Boa Esperança

e na hora exata, a providencia

arranjar a calmaria.

Outros tantos, desiludidos

por seus amores abandonados

vivendo a solidão do destino

aí, lançar-se ao mar

parece razão menor.

Que há em se morrer nos meses?

Em não sobreviver ao medo?

Que tem se findar-se a tristesa e a dor

daquele para quem morrer no mar

honra-lhe mais do que o viver sem amor?

E assim iam-se os barcos, vetustas caravelas

de gentes e lembranças, apinhadas.

Mas eram os desejos

que mais lhes pesavam, tanto que algumas

se iam, meio de lado, adernadas.

o céu que no remanso da viagem, se via

era mais limpo e azul, do que jamais

um homem de nosso tempo viu.

e entre outras coisas certas

da diaria lida, tambem olhar o céu

éra tarefa de muitos na travessia.

Não se sabe ao certo

quantos dali se viram poetas.

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 02/08/2007
Reeditado em 13/08/2007
Código do texto: T590073