MEU PAI

Um anjo torto pousou e me disse certas coisas

Segurou-me para outras

Foi como seme tirasse o fumo, a minha droga, meu punhal

Pôs rumo na minha prosa

Fez a glosa, aparou arestas

Jogou-me pela fresta

Tirou a festa do meu caminho

Pôs-me para quebrar pedras

Aprender tudo no duro da vida

Sem moleza. Sem leveza

Deu-me o martelo e mandou bater duro no muro

Armas obsoletas, fora de uso

Acho que me tirou uns parafusos

Pois me mandou ser honesto

Não me vender e nem vender o meu futuro

Acreditar no que vejo e no que almejo

Disse que todo o resto era confeitaria

Pedrarias, azulejos, igrejas e reis

Botou uma canga nas minhas costas

E mandou-me seguir reto mesmo fazendo o torto

Não prometeu nada

Não me deu argumento

Disse para observar tudo no simples no povo

Olhar no olho

Não dar bola para desgosto demônios insônias

E que eu só saberia o significado de tudo no fim do caminho

Que o esqueceria até certa idade

Aí eu próprio veria se o toque tinha sido absorvido

Se teria valido, sobrevivido.

Somados risos e choros, o que teria sobrado?

O que traria no coração?

Mais mágoas no peito ou mais amor

Esse anjo torto, louco, insano, vadio, fugidio

Fez-me assim nesse caminho

E nem sei se fiz certo.

Só sei que hoje me lembrei dele

Da sua cara.

Sei que tinha bigode. Era alto, Meu exemplo.

Sei também que não o verei mais

Que sou sozinho agora. Eu e a minha dor e esse choro incontível.