Partida

Partida

Na velha mala de couro

Nada é mais importante

Que as lembranças

Que já estão virando saudade.

A velha foto no monóculo

Já esta embaçada, mas dá prá ver

A mulher e os três meninos

Que estão ficando para trás.

É o que de mais valor ele tem

Mas não pode levar.

Vendeu a mula Brilhantina

Com a sela e os arreios

E o dinheiro quase não deu

Para pagar a passagem.

Sabe de cór e salteado

Tudo que a mulher

Colocou dentro da mala,

Além das lembranças.

Duas mudas de roupa

Usadas que é só o que tem,

Um par de alpercatas novas

Que ainda nem calçou.

Meio quarto de bode assado

Meia cuia de farinha,

Meia cuia de fava, seis paraduras,

E uma lata de leite, de pó café

Batido no pilão.

Prá mulher e os meninos esta deixando.

Meio saco de feijão de corda,

Duas cuias e meia de farinha

E o restante da carne de bode.

Se não chover

Nos proximos trinta dias

Vai ficar muito pior,

A mulher vai ter que

Que matar o outro cabrito.

Ai a cabra velha vai

Ficar sozinha e o leite

Que ela ainda dá

Que é para o menino caçula

Vai acabar de vez.

Escurece, até onde a vista alcança

Esta tudo igual, nem uma nuvem,

Nem um vento, nada...

...Será que nunca mais vai chover?

Vai dormir cedo, amanhã são

Três léguas até a vila prá pegaro ônibus

Mas a patroa não deixa, soluça

Com a cabeça no seu peito, e isso dói

Mais que uma facada no peito.

Não consegue falar nada

Ela sabe que não é preciso.

O nó na garganta que corta a respiração,

Só liberta as lágrimas que caem

E se misturam com as dela.

Uma última e entrecortada oração

Para Deus proteger os meninos

E se lembrar desse pedaço de chão,

Onde a muito tempo

Ele enterrou o coração.

Estão deitados na varanda

E pela posição das estrelas

São quatro horas da madrugada,

A mulher levantou-se, fez café

Uma farofa, e já não chora mais.

Ele vai ao quarto dos meninos

Dá um beijo em cada um deles.

A vontade é abraça-los junto ao peito,

Mas o coração é uma chaga só,

Não pode acordar eles, poderia ser pior.

A mulhero acompanha

Até a beira da estrada

Não pode ir mais longe

Por causa das crianças.

O último abraço, apertado e demorado

Um beijo que chega a sangrar

Mas ela nem sente,

E ele some na escuridão.

De repente o dia amanhece

E a pega de cócoras na beira do caminho.

Engole a dor e sente um vazio no peito

E percebe que ele levou seu coração.

Volta prá casa, sussurrando uma oração

A vida continua.