POEMA DO VENTO QUE PASSA

“Olá guardador de rebanhos,

Aí à beira da estrada,

Que te diz o vento que passa?”

“Que é vento, e que passa,

E que já passou antes,

E que passará depois.

E a ti o que te diz?”

(Décimo poema de O GUARDADOR DE REBANHO

de Alberto Caeiro – Fernando Pessoa)

***

Ó vento indomável e vagabundo,

Que te manténs selvagem e puro

Desde o longínquo começo do Mundo!...

Tu que viste nascer a vida na Terra, concerteza;

Que viste morrer seres sem uma despedida;

E viste e ouviste todos os sonhos da Natureza! …

Caminhas desde sempre nos palcos

Do mais ínfimo pormenor,

E tanto foste confidente como delator!...

Um dia nasceram os seres humanos...

E tiveste de mudar todas as rotinas,

Pois reconheceste o mentor de todos os danos!...

Ó vento, que passas pelos recantos do mundo!

Traz-nos novidades do outro lado!...

Confidencia-nos o teu sentimento mais profundo!...

Vento, que tanto és a breve e suave brisa,

Como logo a mais implacável tempestade,

Diz-me qual é a tua verdade!...

Tenho receio de ouvir a tua confissão…

Que me possas vir a confirmar,

A desgraça que pareço adivinhar!...

Vento que passas por aqui,

Eterno como a própria vida,

Sinto a sombra da desgraça em ti!...

Que interessa eu ter a alma ferida,

Se amanhã é apenas mais um dia

Que a humanidade vive sem alegria!...

E tu vento segues o teu adivinho,

Indiferente a tanta loucura,

Que os homens espalham no seu caminho!