Epiódia

O dobre de um sino embala a madrugada;

O sereno ilumina a escuridão!

Valsa triste e descompassada;

Os braços se deixam cair exaustos.

Uma rosa assassinada vai ao chão...

Quão triste é a alvura dos paredões

Iluminados com a luz da desesperança!

Uns lábios recusados esboçam um sorriso,

Bem amargo é verdade,

Mas repleto de pureza e sentimento.

O tempo se desvanece em pensamento,

Em dor se funde,

Em lágrimas se transforma.

O mundo, que outrora era minúsculo,

Qual bola de vidro em mãos de peralta criança,

Agora é um gigante que intimida

E cuja fria transpiração

Congela os músculos e a coragem.

O mundo...

Antes o quintal de bondosas laranjeiras,

Das incontáveis brincadeiras;

Mundo do riso espalhafatoso do avô...

Ó mundo que agora é todo

Um jardim de túmulos de ilusões!

Que agora te mostra a mão

Dos versos agoniados do bom Augusto!

De negro se veste aquele que defunta

A cada nascer do sol.

De cataclísmica névoa se cobrem os olhos

Calejados de assistir desgraças.

Pela dor e pela doença o corpo tomba,

E a sombra de uma cruz repousa-lhe na testa...

A hora melancólica,

No sino em moribundas convulsões,

Se prolonga eternidade adentro.

Quais rastros se há de seguir? -

Se nem poeiras mereceram os sapatos,

Vãos adôrnos de caminhante vão.

A luz que brilha ao longe

É a última fagulha de vida

De alguém que se acaba,

Que se despede da existência...

A confraternização das delícias,

A ruidosa expressão dos gozos juvenis,

O beijo do destino:

Tão belo tom de vermelho!

O fogo sonha o que o desejo abraça,

E numa tarde um naufrágio afoga o mar,

Banaliza a bandeira,

Ridiculariza um altar.

Parado, o vento agita os cabelos,

A poesia descreve a desolação da cena,

Enquanto os braços continuam esquecidos

E voltados para o lodoso solo.

Um suspiro estremece o peito

E um soluço afugenta a sonolenta coruja.

Por que tão triste?

Porque um canto de silencioso adeus

Corta as distâncias simbólicas

E vem acordar um coração!

Porque os anjos inocentes se converteram ao pecado

E não mais enfeitam os milenares casarões!

Porque a dor que fere

É a dor final...

Nada mais cruza o céu noturno:

Nem ave atrasada, nem estrela cadente.

Quem percorreria o infinito

A buscar o impossível?

Quem pediria que se calasse

O sino longínquo?

Quem faria uma prece

Ou iria volver, ao menos,

Um olhar de piedade?

Quem pediria ao sonho

Que se tornasse realidade?

Toda uma história se converte em cinzas

E se perde no campo do esquecimento.

Quem chorará por isso?

Ninguém lastima os cães da madrugada,

Envenenados com o trato desumano dos seres.

Ninguém assiste o desabrochar das flores

Sob a luz da lua cheia.

Ninguém escreve para si, em segredo,

O nome de sua amada

E conta as letras de seu nome

Como se cantasse a canção mais bonita!

E, como a noite avança sobre a terra,

A velhice pesa sobre os ombros.

Negar a crença de uma vida inteira,

Que adiantará?

Concordar que tudo agora é uma coleção de ruínas,

Não fará boa figura ao juiz supremo.

Então, o que fazer?

Gritar - quando todos estão surdos

E cansados demais

E sem vontade demais para acudir,

É alongar uma agonia que urge findar.

...

Eu pego a rosa assassinada caída no chão

Úmido de chuva.

O silêncio corta este momento

Que se despedaça em saudade.

Arrasado eu me recordo

Que um dia estive prestes a ser feliz

Para sempre...

Eu, que para sempre

Serei tristeza.

Lester Cooper
Enviado por Lester Cooper em 24/12/2017
Reeditado em 24/02/2021
Código do texto: T6207141
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