A Dor
Correu o rio para o mar,
O sol iluminou o dia de céu mais azul
E o verde do ar tão puro
Tinha o perfume dos cabelos dela!
Na areia de uma praia imaginária,
A espuma das ondas beijava a poesia
Impressa no papel granulado do litoral.
O ruído das águas era como um trovão
Contínuo, como era incansável o coração
em seu mister de bater.
Decerto fôra sonhar que uns lábios
Livres de qualquer pecado
Incansavelmente pronunciavam meu nome!
Decerto fôra o sonho mais doce...
Certamente era um delírio sorrir,
E ter de volta um sorriso,
E ver a própria alma refletida num olhar tão terno!
Ah, delírio tão sóbrio!
Ah, delírio tão forte
Que nenhum destilado consegue provocar!
Foi, então, imaginação,
Vacilo da mente cansada de pensar,
Sentir o toque das mãos de um anjo,
Sentir no abraço a forma de um corpo...
Foi o cruel sintoma da doença!
Era a alucinação mais poderosa
Enxergar lágrimas de amor e paixão
Num seio virgem que pedia por mim!
Era a loucura
E eu não sabia...
Ao eco mortal de meu peito
Pergunto se não foi desperdício
Gastar o tempo viajando
pelas letras
E pensando ser o amado de Carolina,
Aurélia, Guida, Emília, Helena...
Pergunto se não foi desperdício
Passar a noite na taverna
E beber vinhos imaginários
E se dissolver na fumaça de charutos que não existem,
Chorando amores de donzelas que nos desprezam...
O dia passou.
A noite chegou e se foi.
A vida passou...
O mundo que se arregala diante de mim
Não é o meu lugar.
Ninguém me conhece.
Minha mãe, que me viu nascer,
Não sabe quem eu sou
Nem por onde andei
Nem pelo que passei.
E se hoje tenho certeza de que existo,
É porque me lembro que sonhei,
Que delirei, que imaginei, que senti.
A ilusão de amar foi o vento
Que me impulsionou pela vida.
O desprezo da amada, a morte impiedosa,
O fim dos jovens consumidos no Romantismo!
Não foi desperdício?
A Pátria que chamava...
Mas a Pátria era ela,
Cujos olhos eram as estrelas da bandeira!
Os desejos de infância...
Mas não era ela o desejo,
Com seu rosto pálido
E seus lábios pedindo um beijo?
Amar...
Amar é dar à vida imprestável
Um nobre sentido.
A pobreza muito castiga
Pelo pouco que se tem.
Contudo, descalço em minha miséria,
Conforto-me com a lembrança
De alguém que não me quis,
E até sorrio quando a mim mesmo digo
Que amei
E muito ainda amo aquela mulher.
Sinto minhas forças abandonando-me
Dia após dia.
A dor que antes desesperava
Agora traz apenas desânimo.
o cansaço deforma meu corpo,
Expressa-se em meu rosto.
Nuvens de dúvida às vezes surgem
No velho horizonte amarelado.
Não foi desperdício negar tanta coisa
E derramar tantas lágrimas
Pelo amor de uma mulher que me desprezou?
Nesse instante, no peito o coração acorda
e bate acelerado numa resposta:
-Amá-la nunca foi desperdiçar nada.
Foi, antes de tudo, a única coisa que se salvou
De uma existência tão amarga!