Orfeu no espelho
Leves e de mãos dadas
Orfeu e Eurídice começariam
o passeio, ela resgatada
do inferno feio e profundo.
Quase na saída do inferno;
Caim disse a Orfeu:
olhe para trás e Orfeu
se viu Caim, e Caim
saltitou alegre como labaredas.
O que aconteceu com Orfeu?
Aquele que com sua lira
fez Hades chorar, aquele
que comoveu Perséfone
a ponto dela influenciar
seu marido a libertar Eurídice.
Sob única condição
de não olhar para trás.
Orfeu olhou para trás,
inseguro. Eurídice estava lá,
já transmutada em espectro.
Quem poderia dentro de Orfeu
trair a poesia tão pequenamente?
Quem não deixou na terra
nenhum rastro de poesia?
E foi o sucedido em Orfeu:
nunca mais cantou ou compôs,
se forçou a nunca mais amar
nenhuma mulher desse mundo.
Orfeu foi rejeição de si mesmo
e do amor, da poesia e da lira.
Morto foi por mulheres:
as Menéades, que mostraram
ao mundo jamais aceitarem
a morte da poesia e do amor.