Uma escuridão na luz

Where is your star?

Is it far, is it far, is it far?

(Ritchie Blackmore / Ronnie Dio)

Eu sonho todas as noites…

E no meu sonho, o que vivo esmaece numa névoa de esquecimento,

Se torna uma lembrança sem forma,

Sem ambiente, sem tempo;

Sem rosto…

Eu sei que vivi, mas foi como se lá não tivesse existido.

Eu sonho todas as noites…

Mas é como se não tivesse sonhado.

Um sonho que se desfaz em nuvens dissipadas no próprio sonho;

Um sonho que desaparece em cada amanhecer

E que promete voltar com a noite.

Eu sonho todas as noites…

Pesadelos, dúvidas, angústia, desespero,

Medos.

Sonho com lugares para onde vou,

Onde viverei a eternidade para sonhar com o que não vivi;

Com o que perdi sem jamais ter tido.

Eu sonho todas as noites…

E nos meus sonhos tu não estás…

Em um universo sem astros,

Sua luz espectral alumia vazios de concreto e sem fim.

Sua escuridão é matéria do que sou feito,

E se consome sem cessar no sondar de um mistério.

Para onde foram as galáxias,

Deixando em seu lugar o fogo das desgraças?

O canto tristemente iluminado,

O foco de luz ironicamente plantado

Nas trevas do nada saber,

Exibe a desolação de um abandono

Que é cenário e personagem ao mesmo tempo.

As janelas são como lápides de estrelas apagadas,

Buracos negros de cruel e brutal energia

A drenar minha paz, minha caótica ordem interior

De perder-te a cada segundo,

A cada batida do meu peito.

A lógica deixada para trás,

Esquecida num anteparo qualquer,

Faz explodir ânsias de cruzar infinitamente as dimensões sem fim

No inatingível propósito de não te saber mais.

De dissolver-me em irreversível inconsciência.

A que horas?...

Em qualquer hora…

Nos varais, à distância, um traço de vida

Ou do vento sem ter o que balançar.

Tudo estéril, limpo, novo, abandonado;

O concreto sepultando a terra…

Passagens tristes, negras, sem vida;

O sinal que pulsa transmite a mensagem -

A ausência está aqui…

Talvez as aranhas, deixando suas teias,

Vaguem livremente pelo telhado

Que outrora te denunciava pelo brilho do teu toque,

Mas agora executa uma canção de silêncio e breu.

Nenhuma voz, nenhum som viaja por estes limites;

Nem mesmo a rua é capaz de trazer ruído algum

A quem não está para ouví-los.

Os recantos inabitados,

A varanda sem bancos,

A parede colossal do Cosmo…

Em tudo estavas;

Em nada restou…

A ferrugem tenta corroer, acabar com o que foi erguido…

Nada se sobrepõe ao que falta,

Ao que escureceu, emudeceu,

Diminuiu, fugiu de uma solidão

Que fiquei com ela toda para mim.

Em vão se prende o que escapa para vir me buscar.

Debalde proteges o que não quero;

Não sufocas o meu desejo…

A calçada imaculada, Via-Láctea de cometas imprevisíveis,

Estampa, alheia à sobreposição das horas e das eras,

Indiferente à luz do sol, da treva ou da chuva,

A tristeza que adorna o quadro de minhas dolorosas reflexões.

Eu viajo à distância do pensamento

Para te buscar.

Estás sempre à frente

E tudo que encontro e trago

São símbolos de uma arqueologia desconhecida,

Sabidamente arruinada e perdida para mim,

Para meu amor.

Meus olhos examinam cada partícula à tua procura,

Mas retorno esquartejado em incertezas

E sangrando pelo caminho

Sem cura e repleto de escuridão.

Escuridão é tudo o que vejo,

À luz do dia ou quando tudo se vai,

Para onde, não sei; por que, jamais…

Espiral viajante sem fim;

Nau perdida vagando sem destino,

Sem o destino que eu queria para meu cansaço diário,

Meus braços, minhas mãos, meus olhos, meus lábios…

Sem destino…

Sem o destino…

Sem destinar-me ao véu do que me apaga…

Eu sonho todas as noites…

Eu acordo em frias realidades e infernal cotidiano

Para contar os grãos de areia de minha vizinhança;

Para contar os átomos de uma falta,

Os átomos de uma melancolia

Que envolve o universo que engoliu meu coração.

Eu sonho todas as noites…

Lester Cooper
Enviado por Lester Cooper em 23/06/2022
Reeditado em 27/08/2022
Código do texto: T7544050
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