agradeço a deus
agradeço a deus,
porque não compreendo o funcionamento
do meu corpo,
nem por isso o meu corpo
deixa de compreender
o funcionamento perfeito de si mesmo,
agradeço a deus,
porque existe um silêncio
ao torno de mim,
que eu escuto,
muito embora nada dele eu compreenda,
e nele há coisas
como ao sonho mudo e desnudo de um feto no feto,
agradeço a deus,
porque na solidão absoluta
há um ser que interroga,
pouco importando a resposta,
a imensidade do mundo
que segue ao desmundo
e que é pequeno
e que cabe na palma da mão,
agradeço a deus,
não quero nada além do sonho,
porque há um sonho
e nele uma esperança
como fosse uma criança
que diria
“é tudo simples,
como quando eu sorrio,
se o barquinho de papel que se amassou
não recupera,
tem folhas brancas no caderno a preencher”,
agradeço a deus,
porque o tempo é uma máquina
tal soberba
que tem o poder de atrair
e afastar
e de fazer nascer do absurdo
raízes prenhes de frutos
e a corpulência maciça
do presente,
agradeço a deus,
porque o vizinho existe, porque o sereno existe, por causa do céu,
porque o céu tem dez mil estrelas
que nunca pude contar
e porque
para cada uma delas há dez mil céus diferentes do meu
no entanto
todos tamanhos
que infinitude seria palavra pequena de dizer,
agradeço a deus,
depois queria
agradecer a deus
por qualquer coisa
que não tenha
nada a ver,
pois deus,
surdamente,
ouve em mim mesmo
o muito
que eu não sei.