RESGATE DE LEMBRANÇAS

Quem não se lembra da lamparina

que cedo da noite vinha alumiar

o nosso andar de lá para cá ?

Quem não se lembra da vela acesa

que sempre ficava em cima da mesa,

perto da rede, onde se encontrava já presa?

Quem não se lembra das palavras faladas

pelas famílias durante a noite,

até mesmo avançada ?

Quem não se lembra das palavras de apoio

que vinham dos pais, nas conversas da noite,

por horas a fio, diante da luz do pavio ?

Quem não se lembra dos banhos tomados

de água jogada e que era aquecida,

no fogão de lenha ?

Quem não se lembra da fuligem e do cheiro

do óleo queimado, do pavio trocado,

da fuligem aspirada ?

Quem não se lembra do balanço da rede,

da benção pedida e logo respondida

pelos pais que ficavam além da parede?

Quem não se lembra das histórias contadas,

que tinham motivos para serem faladas,

ensinar às crianças dos valores da vida ?

Quem não se lembra das noites chuvosas,

dos raios cortantes

e trovões retumbantes ?

Quem não se lembra da goteira que vinha

cair na cabeça,

de uma telha quebrada ?

Quem não se lembra do cheiro da noite,

da terra molhada,

das flores de jasmim ?

Quem não se lembra do coaxar dos sapos,

do grito da rã,

na boca da cobra ?

Quem não se lembra do medo sentido, das histórias

de monstros que foram criados

para amedrontar ?

Quantas lembranças ficaram para traz!

Agora o que sobrou de coisas passadas,

de saudades sentidas que ficaram para traz?

Hoje, quando me vejo no lugar onde moro,

diante da tv., quando ninguém mais se vê...

Já não existem conversas, diálogos, histórias

que eram inventadas por nossos pais.

Já não conversamos, apenas queremos olhar a tv.,

ficamos alheios, sem nada mais ver.

Já não falta mais luz, foi a vela apagada,

a pobre lamparina, há muito aposentada.

Não contamos histórias pros filhos ouvirem,

nem tampouco a benção é por eles pedida,

fica sempre a esperança de uma recaída.

As leituras ficaram no esquecimento,

em poucos momentos ainda é tentada,

porém a tv. nos leva ao nada.

Quantas lembranças ficaram para traz,

esquecidas, porque somente queremos olhar e

não ver a realidade que há, que não dá para contar!

Ontem, porém, durante o temporal,

a luz que faltou, fez-me relembrar

do distante passado que ficou para traz.

Trouxeram uma vela, acenderam o pavio,

novamente voltei a falar com os filhos,

que por falta de luz ficaram no mesmo lugar.

Já posso ouvir os filhos falarem

e se perguntarem, até reclamar

da falta de luz que tenta nos aproximar.

Durante os momentos da luz apagada,

senti aconchego, diante do medo que diziam ter,

sorri e me lembrei de fatos que nunca quis esquecer.

Já não existe lampião, lamparina,

não preciso tomar o meu banho gelado,

com a volta da luz posso me aquecer no chuveiro ligado.

Quanta insensatez nos trouxe o progresso!

às vezes até peço para a luz faltar

e poder, novamente, com os filhos falar,conversar.

Lembrei-me dos meus pais sem uma tv.,

somente os quinze, vieram nascer;

eu nunca, no entanto, senti desencanto,

por não conseguir uma luz nova ter.

logo que a luz retorna o diálogo se acaba.

Novamente a sala cheia fica vazia,

todos se calam, ficam mudos, parados,

calados e sem vida por horas a fio.

Mais uma esperança, mais uma lembrança,

que será esquecida, com a vela apagada,

a fuligem assoada da narina tampada.

E assim prosseguimos, indo e vindo

nas noites de luz,sem uma lamparina,

esquecendo a beleza que no passado existia .

Da noite de vela ou da lamparina, quando

se via o total aconchego de uma família,

quando ainda existiam as conversas do lar.

Hoje, no entanto, apenas se vêem

pessoas paradas, mudas, caladas, estáticas,

perante um monstro que a todos fascina,

este monstro sagrado que se chama tv.

VEM-23/11/04

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 30/11/2005
Reeditado em 14/08/2008
Código do texto: T78941