Bonecas

Olhos fixos num ponto qualquer,

distantes e sem direção.

Abertos,

abertos,

sempre abertos

estes olhos que nunca se fecham,

que nada exprimem

e a tudo refletem.

Olhos vazios.

Dezenas deles,

de todas as cores,

de todas as formas,

multiplicando-se nos espelhos

às centenas e milhares,

retinas estéreis,

pupilas inférteis

que nunca se dilatam

e nunca se contraem.

Corpos humanóides

expostos em caixas bonitas

e laços de fita.

Roupas de seda,

cabelos cacheados,

chapéus,

sapatos minúsculos.

Tudo é pequeno e delicado tanto quanto é disforme.

Pernas,

braços soltos,

mãos fechadas,

abertas.

Cinco dedos sem unhas,

palmas lisas,

palmas frias,

pés descalços,

jogados, ímpares.

Tronco desnudo,

assexuado,

incompleto,

repleto de tudo,

carente de vísceras,

carente de coração.

E as cabeças,

as cabeças empilhadas

decapitadas

profanadas

vazias,

bocas mudas,

vermelhas, miúdas,

caladas,

fechadas,

mortas.

fragmentos humanos

despojados de sentido

de sensação,

rostos idênticos

igualmente inexpressivos,

como reflexos refletindo incertezas.

Separam-se as peças,

separam-se as partes

da humana figura inumana,

do corpo dilacerado

e nunca apodrecido,

da surpresa infame embrulhada em papel florido

e coberta de sonhos

de anseios fugitivos

do abraço noturno que o espera,

das palavras balbuciadas que espera,

do falso amor e o apego verdadeiro

de tudo aquilo que espera sem saber

enquanto esquartejada repousa

espera a fôrma

espera a forma,

a tinta,

a seda

o chapéu,

os cachos

e as fitas

os cegos olhos!

e então, boneca será

até que a eternidade a consuma.

Michelle Angel
Enviado por Michelle Angel em 18/06/2008
Código do texto: T1039732
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