Bonecas
Olhos fixos num ponto qualquer,
distantes e sem direção.
Abertos,
abertos,
sempre abertos
estes olhos que nunca se fecham,
que nada exprimem
e a tudo refletem.
Olhos vazios.
Dezenas deles,
de todas as cores,
de todas as formas,
multiplicando-se nos espelhos
às centenas e milhares,
retinas estéreis,
pupilas inférteis
que nunca se dilatam
e nunca se contraem.
Corpos humanóides
expostos em caixas bonitas
e laços de fita.
Roupas de seda,
cabelos cacheados,
chapéus,
sapatos minúsculos.
Tudo é pequeno e delicado tanto quanto é disforme.
Pernas,
braços soltos,
mãos fechadas,
abertas.
Cinco dedos sem unhas,
palmas lisas,
palmas frias,
pés descalços,
jogados, ímpares.
Tronco desnudo,
assexuado,
incompleto,
repleto de tudo,
carente de vísceras,
carente de coração.
E as cabeças,
as cabeças empilhadas
decapitadas
profanadas
vazias,
bocas mudas,
vermelhas, miúdas,
caladas,
fechadas,
mortas.
fragmentos humanos
despojados de sentido
de sensação,
rostos idênticos
igualmente inexpressivos,
como reflexos refletindo incertezas.
Separam-se as peças,
separam-se as partes
da humana figura inumana,
do corpo dilacerado
e nunca apodrecido,
da surpresa infame embrulhada em papel florido
e coberta de sonhos
de anseios fugitivos
do abraço noturno que o espera,
das palavras balbuciadas que espera,
do falso amor e o apego verdadeiro
de tudo aquilo que espera sem saber
enquanto esquartejada repousa
espera a fôrma
espera a forma,
a tinta,
a seda
o chapéu,
os cachos
e as fitas
os cegos olhos!
e então, boneca será
até que a eternidade a consuma.