O quarto

A sala estava abafada e quente

Procurei o interruptor

A lâmpada no abajur estava queimada

O ar não funcionava

Deixei minha pasta e o chapéu no sofá

O paletó, pus no cabide

Fui até o quarto

Liguei as luzes

Puxei a gaveta do criado

Havia uma bíblia azul

Mas tinha páginas vazias

Deitei sem tirar a roupa

E a TV ligou sozinha

Passava um filme da minha vida

Tentei correr para fora

A porta não se abria

Fiquei preso

Tive que manter a calma

Na parede da sala de estar

A tela com uma escuna no oceano estava torta

Aprumei o quadro

Fui até a cozinha

O rádio-relógio tocava uma canção

Marcava 23h34min

A geladeira estava vazia

Mas eu não tinha fome

Bebi um copo de água

E o ar começou a funcionar sozinho

Agora marcava 11 graus

Estava ficando frio

No corredor havia um armário

Estava com as portas abertas, vazio

Tinha um espelho quebrado

Vi minha face que parecia arranhada

Já passava das 3

A mesma música ainda tocava no rádio

Olhei para o teto

Onde havia um alçapão

Pensei em subir

Mas tive receio

Fui até a janela

No décimo terceiro andar

Olhei para baixo

Os carros passavam sem ruído

Levantei a cabeça

No edifício do outro lado da rua

Um vulto me observava

Não tinha rosto algum

Encarei o sujeito

À distância ele me olhava

Ficava de pé sem se mexer

E a janela fechou-se em minha mão

Cortei-me, gritei de dor

Do outro lado o vulto sumiu

Estanquei o sangue

A toalha ficou vermelha

Na pia a água fervia

Não conseguia fechar a torneira

Não podia me lavar

E o rádio repetia sem parar a mesma música

Agora estava muito frio

Deitei-me novamente

Cobri-me

Faltava 1 hora para amanhecer

A cama estava gelada

Adormeci inconsciente

Num sonho horrível

Sentado no tapete molhado

Na sala que chovia sangue

Escrevia poemas no notebook

Sentia a solidão desse quarto

Via quem saltava do prédio

Enquanto o vulto contava cadáveres

Eu nada podia fazer

Apenas sentia calafrios

Paralisado de medo

O rádio tocava a mesma música

Precisava acordar desse pesadelo.

Fábio Pirajá
Enviado por Fábio Pirajá em 11/07/2008
Código do texto: T1075310