VERSOS TRANSVERSAIS (ou chocar o novo por aí)

Vou fazer frases sem filtros,

muito alcatrão e nicotina,

sem rima e muita dor.

Cumprir a sina, pentear a crina.

Dia rima, dia não,

quiçá, carnaval e serpentina.

Fazer sons sins, sons não,

voz e violão solo,

inverno, frio e solidão.

Caminhar contra a chuva,

morder a boca e a uva

e derrapar na curva do amor.

Perdas e danos, pedra e pontas

juntar o feixe, apontar a flecha

acerta no peito o alvo.

Vou fazer versos de viés, desconexos,

transversais, infrutíferos.

Inverter a mão, reverter o fluxo.

Sem luxo e riqueza,

botar a mesa, comer o fruto

e dormir no chão.

Das dívidas fazê-las dúvidas,

dividir tudo por mil

e atravessar a ponte, o mar, o rio.

Nu no meio do povo como num sonho,

dar o seio, a seiva, o leite e a saliva

para tentar curar a dor, a ferida.

Vou tirar doce de pedra

para todos: deleite e desfrute,

matar a sede, disfarçar o luto.

Mesmo sem sentido, sem prumo,

tentar ontem arrumar o hoje

e saber que foi tarde.

O agora e o depois é o que resta,

chocar o ovo de um novo

e piar no presente afora.

O que tenho nesse minuto,

além da névoa?

Uma linha torta e uma canção reta.