As Verdes Áleas da Floresta Profunda

Recupere-se das áleas, o verdor das sombras densas,

que privastes em épocas de um amor vigil e romântico;

ou na tenra infância, em piculas tão alegres;

ou, quando ainda mancebo, o senso do imutável

cegava-te e na ofuscação tomavas-te de brios tolos

de mudar as coisas, o que querias por premio;

recupere-se, mesmo que num lapso da memória

agora não mais que alguns néscios pensamentos lidos,

já que da débâcle do ser humano, fez-se o fim da história;

vislumbre-se o brilho do eterno momento que cobiçaras

no verde róseo de uma floresta em chamas;

em acordes dos tempos, tão fugazes e já há tanto idos.

Se nada te encanta mais, se já não te fascina a arte,

articulação, artifício, humana fazedura;

se o prazer da acção criativa, não mais te captura,

não custa deixar-se à emanação de ritos pios;

não custa e extensão da retórica

e do sentido incurso em estar no mundo

exercendo a ação do possível;

Volta a aleivosia mais amiga, ainda que tocada

por ledos marcos rupestres, perdidos de tão antigos.

O hodierno sentir, não mais do que pesares;

os tempos ruins atuais, solidários sonhos carcomidos;

a derrotada esperança não invade mais aos lares

inquietos ou os de espírito brando.

Que o nada absoluto nos visite, nos aguarde,

já intuímos, quando os filhos se vão, mas

não sabemos onde se irão ter.

Melhor cingir-se a um viver no pretérito

que almejar um qualquer futuro inexprimível.

Só compreender que, como disse Heidegger

Já é tarde para os deuses, mas muito cedo

ainda, para o ser.

Ricardo S. Reis

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 15/09/2007
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