Os gritos domesticados dos meus bichos
Dentro de mim mora um grito./ De noite ele sai com sua garras, à caça/ De algo para amar” (Sylvia Plath, in Olmo)
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Foi nesta passada, pelas quebradas, na rua escura, noite fria, ladeira velha – que ouvi seu canto feito sereia sem mar, sua guitarra chorosa, seu sorriso franco. Ali conheci o despudor dos versos, o certeiro das palavras e a sua forma estranha de amor.
Foi assim que me conheci, espelho, vendo o meu olho no teu; assim adestrei os instintos, afiei as minhas garras na pedra, tal qual espada. Aprendia artimanhas e as manhas da caçada, o universo paralelo dos lobos, dos poucos em suas novas tocas.
Foi nessa cruzada que conheci os seus gozos escandalosos. Gritos tantos que mexeram entranhas e despertaram dragões, leões e todas as feras, aquelas que saíram do dentro, armaram a lona e fizeram o espetáculo de nós dois, sem expectadores.
Hoje você dista disto, e dita seu canto em outro remanso, pinta e borda, abate morde e mata em outras searas. Mas continuou nu comigo mesmo, meus nervos expostos, versos, sargaços infestam meus mares, estilhaços, espinhos, pregos fincados à pele.
Qual madeira de um navio velho, submerso, exponho minha carne aos peixes, e guardo no fundo quinquilharias e um pouco do ouro que ficou esquecido nos bichos amanhecidos e arquivados. Meu aflito apenas conta luas e mariscos.
Sei que me destelho quando vejo teus cantos na boca d’outros marujos e as ironias finas sobre minhas sinceridades e fraquezas. Sinto-me exposto, meu segredos ao sol, meu veneno servido a gosto como alimento. Sou pedra em mar revolto. Só.
Sei que as águas passam e as mágoas fincam. Os gritos secos viram pedras no deserto, por dentro das rochas um espírito, um ente duro, se revira. Hoje só fio e filtro ventos, não há nuvem à vista, chuva, e os bichos nervosos, são animais adestrados.
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