VERÃO ENFURECIDO

A natureza enfurecida deita sua dor sobre o mar encapelado da Baía de Guanabara. O verão revoltado deixa jorrar sua raiva sobre nossas cabeças. É dia de rotina, cotidiano abafado que derrete nossos corpos logo, logo absorvidos pelo glacial ar do escritório. A Baía escurece, desbota os tons matizados de azul para pintar de chumbo as nuvens que deslizam até nós, tensas, oprimidas. Em segundos, da boca do céu jorra a tempestade que vem desarrumar, despentear a arrumadinha rotina do centro nervoso carioca. Ruas-rios desenham redemoinhos que coreografam o bailar de carros sem ensaio, sem ritmo. Vias cristalizam o trânsito imobilizado, pronto a explodir no ensurdecedor buzinaço. Serpentes imensas rastejam na Estação das Barcas formando caracóis, labirintos intermináveis de massa humana. Nove horas da noite e ainda não se vê no horizonte a chance de volta à casa. Lotação esgotada nos bares e restaurantes que aquecem os corpos desertores da tempestade,ensopados de chuva e suor.Corpos que, sem ter para onde ir, brindam patética e cariocamente com chope a pirraça da natureza mal amada.