De uma geração que queria o País sem corrupção e tortura

Éramos da geração que viveu n’um tempo de conquista e de revoluções sonhadas, quando a esperança era russa, vermelha, e a centelha da esperança iluminava caminhos. A nossa miséria cotidiana motivava a ruptura e a luta, mas o silêncio era mais forte neste Brasil, e brandia e exigia a ordem, a paz muda dos generais.

Nós, moleques deste tempo mudo, que pouco sabíamos das estratégias, tramávamos entrelinhas, e passamos a nos expressar no comportamento, roupas coloridas, jeans apertadas, cabelos longos e drogas. Queríamos a paz no Vietnã e luz sobre a escuridão dos quartéis, aqui. Fomos para as ruas, acesos e alertas, com medo da tortura e dos porões do Exército, onde se esticavam nervos e retirava-se, à sangue frio, idéias e ideais.

Com medo, mas com a alma desperta, de peito aberto, fomos protestar e correr pelo Centro de São Paulo, de cachorros e bombas de gás lacrimogênio. Chorávamos com discursos e acreditávamos nos políticos e na esquerda, ingenuamente, levávamos bandeiras libertárias nas mãos, caminhávamos 'contra o vento, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores vãos..."

Levamos cassetada nas costas e pernas, censura nos jornais, proibições na artes, mas avançávamos em reuniões e tramas nas alcovas e periferias. Muitos calaram pelo caminho, sem clemência, nas mesas e nos paus-de-arara. Mas na marra, clamávamos: Liberdade, Estado Direito, Anistia....

Queríamos mais alegria e menos miséria, democracia. E isso foi o que conquistamos, a minha geração e a anterior, e os demais brasileiros deste tempo, uma tempo que já se perde na névoa da falta de memória coletiva brasileira e pela frustração da corrupção que engendrou-se entre líderes de então e seus partidos.

Não em vão, a luta foi boa. Começaria outra agora. Na Sé, correndo pela Av. Liberdade, de novo..

.........

EU ESTAVA LÁ NA SÉ, CORRENDO RUMO À LIBERDADE

Vi a multidão ser atacada a cavalo e cassetete,

um mulher cair e ser espancada,

dos prédios cair papel picado e alguém do alto aplaudir.

Era no Centro de São Paulo, Praça da Sé,

e eu estava lá.

Era só um estudante achando que o Brasil tinha conserto.

Vieram bombas de gás

e a igreja abriu sua porta central.

Salve D. Paulo Evaristo Arns, pai dos pobres e excluídos.

Rimbombaram-se tiros,

gritos aflitos, gás lacrimogênio...

e eu, quase criança, corri da Polícia.

Escapei pela Rua Conselheiro Furtado,

com mais dois outros jovens atônitos e cai na Av. Liberdade.

Eu não sabia que democracia era assim que se conseguia

mas queria o fim da ditadura militar

e isso impulsionava.

E nem pensava que haveria neo-liberais no poder,

esquerda corrupta

e que José Sarney prevaleceria

até estes dias.

Eu vi, eu estava lá, fazendo número, fazendo coro,

gritando contra o poder

Escrevia com vida, rebeldia e lágrimas a história que hora se desenvolve

ainda cheia de vícios e ócios do poder

O que nos movia era a ânsia de nos ver livre

das prepotentes botas e baionetas

que nos impedir de pensar, votar, expressar.

Tentar a cura para as mazelas e chagas seculares do País

erguido com sabre, bala, tortura e ladrões,

era o que sonhava:

um País sem corrupção, queria.

Um sonho que perdura e ainda anima.