DOCE MAR BRASILEIRO

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Do cimo desta rocha contemplo o mar como nunca o fizera antes...

As ondas continuam no seu incansável vai-vem, assim como o rumor das ondas contra a areia e o mesmo sucede com o namoro do azul do oceano com o azul do céu.

Nas areias da praia, os banhistas divertem-se nas águas mornas, enquanto outros descansam serenamente. Poucas coisas mudam, mas aqui existem coqueiros, mangue, macacos, para me lembrarem que não estou em Portugal...

... E no entanto não vejo gaivotas.

Ah, como tenho saudades das gaivotas, dos seus vultos graciosos, recortados contra os céus, lançando os seus gritos estridentes.

Aqui, do cimo desta rocha que penetra dentro do mar na maré alta, sinto-me ainda mais íntimo do imenso azul.

Parece-me ouvir a sua respiração ofegante disfarçada pelo rumor da rebentação... Talvez o bom gigante esteja apenas cansado.

Cansado de uma eternidade a namorar as areias e as rochas e a testemunhar acontecimentos indescritíveis.

Cansado de ser o berço - pai e mãe - de incontáveis formas de vida.

Cansado de ser o túmulo de muitos daqueles que ajudou a gerar...

Por não ter descanso, o mar pode assim justificar alguns dos seus inúmeros acessos de fúria.

Tenho pena do mar, condenado a toda uma existência de árdua labuta e dou muito mais valor a todos os instantes em que eu posso fechar os olhos e descansar um pouco, como se nada mais interessasse, como se nada mais existisse...

Talvez todo o sal que existe seja originado pelo seu pranto de milhões de anos de solidão e amargura.

Do cimo desta rocha - com o imenso oceano em volta de mim - penso nisso e fico triste, tão triste que junto o meu pranto às mágoas do mar.

Lágrimas desencantadas rolam no meu rosto e vão juntar-se às que nascem do mar ...

E o oceano recebe a minha dor e fica ainda mais salgado, mas simultaneamente muito mais ternurento com o meu gesto solidário.

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Costa do Sauípe, 12 de Fevereiro de 2006

Nota: Continuo sem o meu computador - e sem os textos que lá existem - e fui em busca de um dos muitos textos que ainda não passara a limpo e que tenho por aqui manuscritos.

Este foi escrito há precisamente 3 anos atrás quando estava em terras brasileiras.

Abílio Henriques