UMA VOLTA SOBRE A ESFERA

O que fariam as crianças do mundo civilizado,

Se elas pudessem ver de perto na Amazônia Paraense

O sorriso do lagarto, o cântico misterioso do uirapuru,

Os olhos multifacetados da libélula, as peripécias do boto rosa,

As floradas do ipêzeiro, as urradas da onça pintada,

O zunzunzum de óvnis mergulhando n’água,

As manadas de búfalos, as ovadas de tartarugas,

As garças copulando-se sob bucólicas ilhotas,

Os caboclos guajarinos catando siris,

As impiedosas derrubadas de árvores de lei,

As catraias carregando açaí, a pororoca engolindo mandiís?

O que fariam as crianças do mundo não civilizado,

Se elas pudessem ver de perto nas terras da Flórida e Canadá,

O lápis computadorizado, a agenda eletrônica,

O combustível invisível, as terras-do-faz-de-conta,

Os carros de Batman e Robin, as capas do super-homem,

As canelas do Mickey Mouse, a fortuna do Tio Patinhas,

Os estúdios da Disney, os brinquedos futuristas da Nasa,

As lentes fantamasgóricas do Hubble,

Os espigões de luxo de Los Angeles e Cleveland,

Um porta-avião repleto de caças supersônicos?

Como seriam as crianças canadenses, Egípcias, Coreanas,

Japonesas, Alemãs, Suecas, Iranianas,

Brincando de esconde-esconde nas matas do Xingú?

Como seriam as crianças amazônicas,

Brincando de estilingue, de cabra cega, de pingue-pongue,

No central Park de Nova Iorque?

Como seria um mundo de fartura,

Visto dos olhos arregalados dos pequenos haitianos,

Que chegam a passar semanas e semanas com fome?

Como seria um mundo de extrema pobreza,

Visto dos olhos espantados dos rosados inglesinhos,

Que jamais deixaram de se alimentar de iogurte com cereais?

Como seria um mundo de maravilhas educacionais,

Visto dos olhos decepcionados das crianças amazônicas,

Que chegam a ficar sem assistir aula durante o ano inteiro?

Como seria um mundo de costumes caboclos,

Visto dos olhos azulados dos pequenos soviéticos,

Que chegam a dizer, por pura ignorância,

Que o javali é primo-irmão de jabuti?

Como seria um mundo de rígidos costumes finlandeses,

Vistos dos olhos arregalados das crianças paraenses,

Que chegam a pensar, por pura inocência,

Que um super troilebus chega a ser parente do enigmático disco voador?

O que é perturbador, impressionante, apaixonante,

Para a maior parte das crianças européias e amazônicas,

Nem sempre é o que ocupa o primeiro lugar

Nas especulações dos adultos.

Toda criança branca, preta, amarela,

Seja européia ou amazônica

É antecipação do futuro.

Consideremos o futuro de nossas crianças a qualquer momento:

Veremos que elas se ocupam do que elas são,

Mas, sobretudo em vista do que elas vão ser.

A solidariedade entre as crianças do mundo é uma expectativa,

E não há consciência sem uma certa atenção à vida.

O futuro lá está, aqui está: ele nos chama, ou melhor,

Ele nos puxa: esta atração ininterrupta,

Que nos faz avançar na rota do tempo,

É também a causa de que ajamos continuamente

A favor do pleno banquete da vida.

Pois toda ação é um penetrar no futuro:

Uma volta sobre a esfera!

Benny Franklin
Enviado por Benny Franklin em 05/07/2006
Reeditado em 06/07/2006
Código do texto: T188243