TALHES NO DETALHE - Da série Tijolos Poéticos

PERPLEXO

O meu léxico é tísico, subnutrido, desvalido, mas enxerido e arretado. Não fica perplexo diante de clássicos, de poetas metidos e suas torres de marfim; de suas temáticas estéreis e polidas - répteis de duas cabeças que se engolem pelo rabo, uns aos outros, num rodopio em torno de si e seus egos, nós da sapiência - num lustrar contínuo de vernizes e auto-adoração. Gente de matizes nobres, em seus ócios, confortos e fartos jantares e recitais.

FILTRAR LUZES

O meu léxico é escasso, parco, pouco, torto e desértico: sertão, onde colho a chuva rala para minha sede na calha que faço com minhas mãos em concha, ou morro. Recolho palavras no chão do povo, com minha peneira de vento colho palavras soltas, com minhas guelras de filtrar luz capto o certo e o esquisito. Sou depositário das frases tolas soltas, sem dono, e de palavras de pontas, que sangram gritos mudos das filas de espera secular da vida farta que não veio.

TALHE NO DEDALHE

Talho detalhes na palavra realidade e monto frases sobre temas que me penetram e deixam suas marcas, tatuagens que só eu vejo. Escrevo com giz na lousa do tempo e jogo no vento, tudo a esmo, sem escolher terra fértil. Não uso enfeite, piercing, corrente de ouro, mas lapido brilhos, faço trilhos, abro picadas e acendo velas na noite. Coloco tudo numa embalagem, que chamam poesia, eu digo: rascunhos de devaneios, quando passar a limpo, loucuras.