O MELHOR DOS MEUS PRESENTES

Ôh ôh ôh ... O que você vai pedir pro Papai Noel?

Eu queria ganhar um brinquedo, mas aí me lembrei que não sou mais criança. Ainda brinco com brinquedos. Gosto de resolver problemas em livros de problemas numerados. Palavras cruzadas, jogos de damas, gamão, xadrez, são meus prediletos. Jogos adultos: pocker, vinte-e-um, sete-e-meio, todos incentivados por alguns tostões. Já fui campeão de Tranca, um passatempo de baralho. Aprendi as malandragens do baralho. Infiel e traidor baralho, por isso tem duas caras. Por isso infiel e traidor. Por isso não gosto mais de brincar com baralhos.

Gosto de colecionar figurinhas, mas não aquelas que se cola em álbuns. Não sou mais criança. Não posso mais me reunir a elas e trocá-las com os amigos ou conquistá-las dando a vida em um jogo de bafo. E eu já fui o maior ganhador do meu bairro em jogo de bafo de figurinhas. O menino mais rico do bairro do alto de sua fortuna estimada em mais de três mil figurinhas, todas conquistadas honestamente nas apostas e nas trocas das muitas figurinhas difíceis pelas dezenas de outras fáceis. E era fácil tornar uma figurinha difícil quando se era possuidor de tantas e podia manobrar o mercado de figurinhas do meu bairro. Bastava ganhá-las e retirá-las de circulação, tornando-as raras. Depois cobrar um preço justo, em figurinhas, ao trocá-las de volta e assim ver aumentada sua fortuna, ao devolvê-las ao mercado mais valorizadas.

Meu álbum hoje é outro: coleciono pessoas, coleciono corações, coleciono sentimentos. Há violentos zagueiros e zagueiras estampadas nas figurinhas reais de jogadores que me mantêm longe de suas áreas com ameaças e pontapés. Mas há também um time que joga a meu favor e me prepara as jogadas para que eu faça os meus mais bonitos gols. Alguns gols têm sido de placa. A maioria de canela, tornando-me um dos melhores pernas-de-pau goleadores dos meus times de amigos. No meu álbum de amigos algumas figurinhas são carimbadas. As carimbadas a gente não troca e nem põe no jogo de bafo. São valiosas demais para que se ponha em jogo.

Podia ganhar um quebra cabeças, desses com mil peças, mas, sem que trouxesse antecipado, em uma grande foto na caixa, o resultado final que todo quebra cabeças exibe quando montado e que serve de guia ao montador. O encanto de um quebra cabeças está em não se saber o resultado do quadro. Ir descobrindo peça a peça como elas se combinam e se desenham. Juro que ao montá-lo, deixaria sobre a mesa por uns dias, mas jamais o emolduraria como fazem alguns montadores que se contentam em montá-lo apenas uma vez. Orgulham-se de tê-lo montado e temem não serem capazes de fazê-lo de novo. Orgulham-se sem saber que outros milhares de montadores foram mais rápidos e mais precisos.

Um quebra cabeças é algo vivo e não deve ser plastificado quando montado depois de pacientes dias de trabalho. Nunca gostei daqueles quadros com borboletas mortas. As borboletas são como os quebra-cabeças: devem ser mantidas vivas. Este meu quebra-cabeças, quando montado, poderia formar uma foto imensa e nela você estaria recebendo uma rosa de um menino. Esse menino teria a cara do menino campeão de bafo que, ao crescer, colecionou amigos, arranjou suas diferenças de cores e formas em um grande mosaico, para dá-lo a você de presente, junto com a habilidade de montar quebra-cabeças, entender pessoas e sentimentos, e arranjá-las nesse imenso mosaico vivo.

Podia receber roupas. Uma gravata! Adoro gravatas. Você sabe dar nós em gravatas? Adoraria que você aprendesse e me fizesse um nó na gravata. Eu me vejo recebendo seu presente. Vejo-me paciente e feliz. Vejo você ajeitando minha gravata no colarinho de minha camisa preferida. Você deve ter bom gosto para gravatas e mãos de fada para fazer nós. Nós que eu não desarrumaria porque receberiam o suave toque das suas mãos. Nos nós da minha gravata as suas mãos e as minhas estariam sempre presentes em doce arranjo: um enlaçando, o outro ajeitando. Eu teria paciência com os seus desajeitados nós iniciais até que lhe viesse a prática e eu não conseguisse mais fazer os meus próprios nós. É isso, uma gravata, mas que o nó tenha o carinho das suas mãos.

Podia receber de você uma caneta bem bonita. Dessas que não falham quando a gente escreve. E você sabe como eu gosto de escrever. Quando a gente escreve e a caneta falha, parece que a mensagem vai falhar também. A mensagem soa falsa, como sentimento que falseia no coração de quem sentiu e de quem escreveu. Quem lê percebe que se falseou. Por isso eu quero uma caneta que não falhe, para quando eu escrever coisas para você elas se eternizem, sem falhas. Uma caneta que venha guardada em um delicado estojo. Ao olhar o estojo vazio na estante eu me lembraria de você e lembraria da caneta bem guardada no bolso esquerdo de minha camisa, junto do coração, que é o lugar que você sempre estará. Ao empunhar a caneta eu me encontraria com todos os sentimentos que me conduzem a você e que se extravasam no papel através das suas tintas. Pelo bico de sua pena as minhas palavras também seriam suas porque escritas com a mesma mão e a mesma tinta que nos torna poetas escritores, cúmplices um da escrita do outro. Cúmplices um da caligrafia do outro. Musa e poeta em simbiose literária. Poesia como sinfonia em uma orquestra de dois solistas. Virtuoses na ária do amor.

Mas, se Papai Noel não me desse nada, bastaria que ele me desse você: seria o melhor presente que poderia ganhar. Então, escrevi ao Papai Noel, com o mesmo sonho que tem uma criança quando escreve esse tipo de carta, com o brilho infantil nos olhos, pedindo que me desse você de presente. Queria vê-la em seu trenó riscando os céus de dezembro, embrulhada para presente e com um cartãozinho com meu nome e meu endereço, a mim dedicada.

Ele foi gentil e me respondeu depressa. Chegou sua carta-resposta agora há pouco. Disse-me que lamentava, isso estava fora do seu alcance. Ele não pode dar pessoas. Qualquer outro presente, menos pessoas. Só elas podem dar a si próprias. Por isso estou escrevendo para você: eu queria ganhar você para mim. Dá você para mim? Se isso acontecer, eu vou retribuir dando-me a mim como presente, se for esse o presente que você quer ganhar: uma pessoa.

Eu sei que você está recebendo outros pedidos como esse. Não lhe passa um dia sem que o correio não lhe traga estas cartas. Mas, preste bem atenção nesse presentinho que você pode ganhar em retribuição. Não é o maior, nem o melhor, nem o mais bonito, nem o mais rico, mas é o único que chega para você com flores na mão, poemas em profusão e um sorriso sincero. Quem sabe o sorriso seja o que mais lhe agrade? Flores estão ao alcance de qualquer um. Poemas? Estes vivem colando e mandando para você. Há poetas com versos desajeitados, pés-quebrados, que também lhe levam poesias, embora falhos na estrutura e na forma. Mas o meu sorriso? Este é só meu. Ninguém - senão eu - poderá dá-lo!

E esse sorriso eu posso dar todos os dias, basta que você me dê você de Natal!

Juro que vou saber cuidar bem de você. E você vai se encantar com esse sorriso que passará a ser de sua total propriedade, sem direito a troca ou devolução, porque não é de bom tom se devolver presentes! Como um brinquedo moderno, cheio de botões, garanto que sou fácil de brincar e de manusear. São poucos os botões que terá que apertar para que meu sorriso apareça. Há um botão vermelho que é um atalho para todos. Nele está escrito: "eu te amo". Se apertar de novo, meus lábios dirão: “para sempre”. E os seus olhos com os meus se encherão de lágrimas: por recebermos o presente que sempre pedimos nas noites de natal, desde quando eu era campeão de bafo de figurinhas e você uma pequena semente que um dia iria aprender a fazer nós em gravatas e a escrever seus versos com suas tintas em meu coração. Se tudo isso lhe agradar, venho com bônus extra: ninguém melhor do que eu sabe montar quebra-cabeças! Também conserto torneiras que pingam e posso dar uma nova demão de verniz em seu coração.

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Feliz Natal aos que escrevem, aos que lêem, aos que clamam, aos que reclamam, aos que choram, aos que riem, aos que amam, aos que dão presentes, aos que são presentes, aos que colecionam figurinhas e às que aprenderam a dar nós em gravatas. Ah! E aos que ainda consertam torneiras.

Paulo Sergio Medeiros Carneiro
Enviado por Paulo Sergio Medeiros Carneiro em 19/12/2006
Reeditado em 19/12/2006
Código do texto: T322492
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