O mundo que invento - da série Tijolos Poéticos

Sei que há um pouco de tudo, de sol, de chuva e de improviso neste momento. A poesia que invento é só sentimento e razão, nenhum propósito fora disto.

O instante é um flash, mas o que fixo permanecerá por algum tempo; a palavra que teço despretenciosamente é pouco, mas é o sumo do tempo, um vento que me desalinha derepente.

O melhor que tenho é o que dou espontaneamente: abraço, riso, o resumo de um sentido. A palavra pode ser canção, papel no lixo, pode ser um toque, um rock, poeira no canto.

Ninguém percebe, mas milagres acontecem a todo instante. A oração, a promessa cumprida; quem pede e quem agradece, quem perde e quem se dá bem, o monge zen, o pastor pregando na praça.

O latido de um cão distante me traz uma lembrança do tempo de criança, uma canção antiga, uma certa dor de barriga. O abraço de um amigo, o sorriso de uma criança, aquecem sempre.

As melhores coisas acontecem sem start, sem máquina. O que mais importa não se liga na tomada: quem se ama, um reconhecimento, um mero agradecimento, uma flor singela ou toda a primavera.

A sensação de dever cumprido é o quando se faz algo sem nenhum interesse; é quando se cria um espaço, um abrigo, se abre um hospital, uma creche. Uma tenda no deserto é um oasis.

Não sei o que vem amanhã, mas já invento um dia cheio de notícia. Sei que terá tragédia, corrupção; novela, canções no rádio - tudo planejado e muito improviso. Alguma flor irá nascer.

Sei que o prazer é o que vicia; a alegria, a poesia - esses são meus baratos, todo dia. Entre meus manuscritos, muitos desvarios, alguma jóia rara. Sou um canário solitário ao sol, fim de tarde.

Tudo é muito grande, mas pode caber num instante. A compreensão de todos é impossível, mas insisto, abrindo frestas neste momento determinado; assim faço um solzinho neste diverso universo bruto

Para me manter lúcido, no trilho, risco e rabisco. É certo que ando na linha, mas rilho muito; me concentro tanto, me desconserto um pouco, não raro, piro, mas logo acendo a lâmpada de novo.

O mundo não é como o desenho. Só me toca o que é inédito, peculiar, distorcido, diferente, arte; assim faço parte, ou invento tudo: casa, cachorro, rotação e vento, que faz nuvem, que faz chuva.

O mundo que vivo é um tanto realidade, outro mentira, distração, e uma parte pequena, arte; para entrar porta estreita, para sair, frestas; para permanecer, deleite e solidão, tudo junto.