Amo em você o eu que não sou

Vivo com lembranças do que não é possível, pois não vivi o que lembro, isso de amar impossibilidades não pode ser amor, não é amor a alguém, é amor a si próprio.

Vivo de criar laços afetivos com o invisível, amor aos meus próprios fantasmas, amor pelo que não veio, não, isso não é amor. Então não é dor o que tenho. É realidade criada, risco de giz, dor virtual.

Paixão pelo impossível é amor por si mesmo. Vivo no espelho, querendo entender o que não entendo, por que não é visível o que quero ver. É lembrança, talvez, arquétipos cutucando. Ou é só o impossível?

Vivo em auto-flagelo, se vivo assim, tortura, amando a mim mesmo. Amor é para quem tem tempo para ter conhecimento e não tenho tempo, vivo louco subindo ladeiras, música nas curva.

Vivo fragmentado, colando amor, sendo colado, todo dia um pouco, e rasgado de novo, dia seguinte. Amor assim tem de ser rápido, instantâneo, indissolúvel dentro daquele instante.

Veloz. Já foi. Vivo de amar uma situação de amor de ontem, lembrança do bom, hoje tenho de reconstruir o que ruiu e nem vi. Remontar palavras, gestos, atitudes – lembranças do que seria amor.

Amor agora existe: já voltou, te quero agora como der e vier.Tenho que criar rápido o casulo do encontro; novos encantamentos, cantos e poesias e depois virão as palavras que demolem. Pedras na vidraça.

Vivo confuso: amo o que foi criado ou que se foi, a imagem no espelho que insisto e não vejo o fora do meu dentro. Quero o amor perfeito ou me acho o preferido de mim mesmo?

Vivo querendo de ti o que idealizei ontem, por isso te recrio perfeita, mas não acredito no que crio por que sei que não sou deus. Quero em ti a mim mesmo, o que sei que não consigo: um ser despido de imperfeições, que não existe.

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Obrigado Tarkovski, in Solaris, pela confusão que me causou.