COMENTÁRIO SOBRE AS BORBOLETAS

Pacientemente, construo e reconstruo.

A roupa tem rasgos, linhas mal alinhavadas.

Veste corpos trabalhados, vituperados corpos de homens sujos,

matéria do tempo, o cúmplice sonolento da morte.

Construo e destruo, simultaneamente.

A rota do que acredito passa pelas minhas mãos de outrora.

A massa não tem sentido, o céu não tem sentido e a tarde me queima,

Exige de mim uma resposta que ainda não tenho.

Além de mim, só as cruzes e os arranha-céus desbotados,

Calçadas sujas, imundas faixas incolores

Engendram a cidade como terminais em assimétricas bases.

No entanto, pessoas caminham e buscam suas casas, seus ônibus

Desconfortáveis, seu sexo sem gozo. Círculos são construídos e implantados.

A mente já não se revolta, já não grita nem me ordena.

Cíclicas muralhas cresceram, estou à toa

No meio da rua, entre os carros, em plena Avenida Paulista, berrando.

Sou preso e condenado, pratico a paz, sou perigoso

Sou um infame gritador de refrões, escrevo versos

Aplico na cidade a plena amizade entre os homens de boa vontade,

As boas ovelhas, Jesus Cristo, embriagado, urinado embaixo da marquize.

Construo e destruo, simultaneamente. Chuto pedras,

que transformam a trilha em perigosas armadilhas

E sou escravo, tenho marcas no pescoço, sou jogado aos cães.

O parto se aproxima, a criança tenta respirar, mas morre asfixiada.

Pertenço ao mundo dos homens, pertenço às plantas, sou calvo e feio,

sou desfigurado, arranquei os dedos, não acredito no

Deus das sinagogas, nem em cortesãs ruidosas de amores pequenos.

Fabrico tecidos com minhas mãos de aço, meu punho de almíscar.

Verdadeiras nuvens me servem de pasto, o céu azul da metrópole

é resquício da sanidade que tento não perder.

Borboletas. Pandeiros.

Moças loiras sorrindo à porta do banco

Parecendo lindas borboletas.

A superfície do que sou pertence ao divino.

Isto basta.

Construo.