Pelas ruas, pisando em letras desavisadas

Pisava nas letras desavisado e nem sabia que eram vidas as frases que ali se juntavam nas guias e sarjetas da cidade.

A palavra abandono encontrei nos faróis da Praça Marechal Deodoro, debaixo do Elevado, ao lado de crianças sujas de mãos estendidas.

A palavra ódio estava lá no sangue seco na calçada da Sé, junto ao mendigo morto a ferro e preconceito; na quebrada da periferia, onde jazia o perigoso meliante de 12 anos de idade.

Vi frases esparsas de amor e carinho pelos lados da Amaral Gurgel e na Boca do lixo; nas portas do banherios so Sujinho da Augusta.

Sujeitos e verbos inconclusos e indefinidos na Rua 24 de Maio, no olhar sem destino dos desempregados, olhando o mural do desesperados.

Tropecei na palavra revolta, na passeada que chegou à Sé e busca a Liberdade; na rima exata do rap em subterrâneos da Freguesia do Ó.

Escorriam letras soltas, sem nexo, de léxico pouco, da boca torta da louca que ia pela Barão de Itapetininga, desafiando policiais e os cidadãos todos.

Pela enxurrada da chuva de verão vi palavras e frases inteiras e promessas de políticos junto aos móveis toscos e barracos levados para o lodo da enchente do Tietê.

Adjetivos polidos vagavam pela tela dos programas de tevê, nos sofás das celebridades, mas este não me serviram, pelo descontextualidade da lida dura/ vida bruta que sempre me atravessam.

Recolhi todas as palavras, frase, murmúrios, verbos e impropérios, em minha malha de anseios. Empilhei tudo no arquivo de reciclagens.Banhei-as na bacia das esperanças.

As palavras rancor, ódio, vingança e mágoa, impregnadas de sangue, confesso, não limparam com água e sabão e as deixei de molho, na bacia das esperas seculares.

Acrescentei artigos, conjunções, preposições ao todo recolhido. Tentei tecer então um desenho novo e fazer uma cidade de crianças alegres e homens inteiros, pelo menos nas palavras.

Quem sabe fazer um poema de ruas, de Sampa, de gente e palavras quentes, mais amenas, mas tudo o que saiu foi o que por hora apresento nestas inexatas e tortas linhas. Um rascunho de prosperidade