O despertar das sensações

Na brisa dessa madrugada, ascendi à memória das lembranças.

Um sussurro me acordou. Despertaram-me sensações intensas. Ouvi, arfante, um cicio de beijos que nunca mais se repetiram. E levitei, como quem anseia penetrar na tela das lembranças. Lá estavam pincelados os segredos que guardei a sete chaves. Nunca mais a juventude daqueles dias se repetirá, no entanto aqueles dias de juventude estão no calendário da memória e na efeméride dos sonhos; nunca mais o flerte dos nossos desejos nos convidará ao proibido, no entanto os desejos daquele flerte persistem e se manifestam na lascividade de cada dia; nunca mais meu corpo vibrará tão repetidamente em seus múltiplos espasmos, no entanto os espasmos do presente — ainda que escassos — são apenas reverberação e vestígios de tudo o que vivemos.

E foi assim que, na brisa dessa madrugada, ascendi à memória das lembranças.

E flutuei em nossos fluidos e me libertei da censura dos covardes.

Não. Não mergulhei no tempo, não. Deixei-me ali, exatamente ali onde tudo era tão real que poderia ser vivido e revivido sem a crueza das horas, sem a cobrança da vida, sem a adversidade do mundo.

Já não faço perguntas, porque entendi que não somos uma questão com alternativas simples. Complexos ou não, somos a resposta. E se não há lógica, é porque estamos acima do efêmero. Conheço o que sinto, embora eu não conheça quem sou. E sei plenamente que não preciso senão de uma brisa, de uma madrugada e da memória: se as possuo, então também nos possuo — e é ali que nos guardarei para que nunca nos percamos... nunca!

E quando tudo se esmaecer, entenderei que fomos, fizemos, tivemos e estivemos. Ao que virá, emprestarei respostas simples. Direi, sobre o fogo que já não arde, que ele ainda assim é fogo; que só não arde porque nele há um pouco da timidez, da incerteza, da dúvida... Ora, nunca se pode explicar o mar que beija, furtivo, a praia: ele bem que avança, sorrateiro, durante o dia — mas não se demora nesse abraço. Só à noite, quando o sol se descuida, é que o mar ousa de fato. E se torna intenso e vibrante, como são intensas e vibrantes as emoções mais ardentes dos encontros proibidos.

Ah! e haverá sempre o proibido entre nós, para que nunca esmaeça o fogo e tenhamos sempre a chance de avançar, sorrateiros, durante o dia — mesmo que não se demore esse abraço. E à noite, quando o sol se descuidar, ousaremos de fato. E nos tornaremos intensos e vibrantes, como são intensas e vibrantes as emoções mais ardentes dos encontros proibidos.

Pirapora, 17 de maio de 2007 – 10 horas