A luz de mais um dia findava-se aos poucos. Dela, quase já não restava nenhuma nesga, que oferecesse aos olhos uma visão clara de algum detalhe na paisagem. Esta pairava quieta, abraçando-se em alquimia perfeita com a penumbra da noite que avançava.
Sentada e sózinha em frente à luz de um abajour as memórias eclodiam. Olhava pela fresta da janela enorme e altaneira. Via a noite recem chegada, era um esplendor de estrelas pontilhando a amplidão. A procura pela solidão era uma quase rotina. Fazia-lhe bem, acalmando, alimentando o pensamento que maturava saudável em busca de respostas. Fixava-o na família, um tanto longe e seus olhos vagavam pelos móveis, parando nas prateleiras de livros, agora tão arrumados, diferentes de algum tempo atrás onde sempre estavam fora de lugar, porque alguém na pressa pegara algum largando os outros de qualquer forma. Era uma desordem que não incomodava, fazia até bem a ela colocar tudo de novo na enorme prateleira da biblioteca, fato que já não era tão necessário. Foi lembrando de algo que levantou-se e foi até a última delas, pegou um amarelado livro, romance famoso que sempre gostava de reler. Abriu-o e folheando a esmo encontrou a folha garatujada, mal escrita, das notas de uma melodia antiga e romântica que alguém lhe passara. Como num passe de mágica espantou a inércia, atirando o livro para o sofá. Abrindo o velho piano que jazia num canto executou a melodia, caprichando na performance como se uma platéia estivesse presente. Foi nota a nota, dedilhando-a, espargindo pelo ambiente o som puro que soava como sempre perfeito e parecendo querer atingir o infinito. Assim embalou a alma, olhando de vez em quando para a noite que permanecia calada e a lua longe espiando, quiçá ouvindo-a.
Sombras projetaram-se na parede e a hora passou. Fantasmas do passado se foram com o riso que ela novamente deu ao envolver-se na canção. A cura para a hora da nostalgia havia chegado, novos sonhos haveriam de nascer, ausencias não mais seriam dolorosas, eram apenas uma boa saudade, como a do dia que se fôra e a da noite que caminhava para ser o amanhã, em nova realidade, escrevendo outra história, talvez outra nova e bela melodia.


21/10/14


https://www.youtube.com/watch?v=vV_b2HGRlF8




 
Marilda Lavienrose
Enviado por Marilda Lavienrose em 21/10/2014
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