ROUPAS SUJAS NO CANTO DO BANHEIRO

Me parece que mais uma vez nós dois perdemos. As luzes se apagaram nesse lugarzinho esquecido por deus e pelo diabo. Temos tão pouco. Nosso rancho do mês, algumas latas de cerveja para o domingo, um filme escolhido a dedo, e aquela sua saia linda que adoro tirar depois que estamos altos, e você insiste em dar uns tiros. Mas estamos tentando encontrar paz. As ruas estão um caos. Indígenas pedindo esmolas nos sinais, pistolas, facas, roubos, greves, o surto de sarampo, a copa que terminou deixando todos com uma expressão de "a realidade não mudou nada". Amazônia estuprada. Mesmo assim tentamos levar uma vida alegre. Você atira pequenas flechas nos muros da cidade. Eu sem entender. Parece verdade que o apocalipse está perto, só que tememos o arrebatamento, e os anjos. Outra tempestade atingiu a cidade e derrubou os postes do Centro. Gostaríamos de ganhar prêmios, ser homenageados, lançar nossos poemas para o mundo. Não estamos tão preparados assim para a solidão. Tempestade de sêmen na sala. Desliga a televisão e desanda a escrever poemas que minutos depois não significam nada. Não conseguimos universalizar nossas dores e resumimos nossos mundos a tudo aquilo que não é necessário para o mundo. Teu papiro sendo rasgado. Teu corpo despido de todo orgulho. Me parece que perdemos. Mais uma vez brigamos. Pausa para o adeus, e as lágrimas. Saudade. As luzes do mundo bem que poderiam apagar de uma vez por todas até morrermos no compasso de um samba mudo cantarolado na esquina. Como se já não bastasse a vida repetir as mesmas tragédias, vou construindo os mesmos versos, valores semânticos hipocondríacos, sem me iterar das novas tendências, dos movimentos modernos, das linguagens inovadoras. Eu sou um velho rabugento abandonado na porta do museu, onde uma exposição moderna explica como sustentar amores decadentes na casa da mãe. Eu queria tanto ser aceito pelos seus pais. Eu queria ter esse gás de trabalhar a semana inteira, e ainda ter pique para frequentar a igreja todos os domingos, e não assistir partidas de futebol manjadas, escutando brega, tomando cerveja vagabunda, entupindo minhas veias com gordura. Acho que somos dois perdedores natos.

Rojefferson Moraes
Enviado por Rojefferson Moraes em 15/07/2018
Código do texto: T6390986
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