PENSAMENTOS SOLTOS DE PESCADOR
Lá estava eu sentado, curvado
sobre as águas do rio,
por horas a fio, esperando o peixe puxar
a isca, o engodo mas o malogro
vem me apoquentar.
Insetos fustigam o meu rosto,
mesmo a contragosto fico eu lá sentado,
curvado, sobre as águas do rio.
Insetos ferroam meu rosto
e reclamo com o leve xingar.
Espero com isto poder afugentar
as muriçocas, piuns, e mutucas,
que tanto aprecia o tornozelo,
não sei se é por gosto
ou por estarem expostos.
Procuro na tralha o repelente,
para que os insetos se ausentem
e se afastem de mim.
Lembro-me do óleo da soja tirado,
que levo comigo,sempre dá resultado,
quando unto as partes do corpo,
dos braços e do rosto, evitando, assim,
ferroadas, inchaços enfim.
Tento esmagar a mutuca atrevida,
porém sem sucesso.
Sua fuga sempre é mais rápida
que o deslocamento da palma da mão,
que tenta com isso aplacar minha ira,
com a morte daquele atrevido inseto
que castiga e fustiga uma paciência,
desgastada se encontra pela falta de peixe,
que teimam em não cair no malogro,
do engodo, jogado e sempre reativado.
No exercício de minha memória,
tento descobrir onde está minha falha,
para corrigi-la e, no fim, conseguir meu intento,
fisgar o peixe maroto, ladrão,
com um simples safanão;
a linha se parte,
a esperança se abate.
Continuo, naquela luta mental,
tentando pegar, fisgar um piau,
que, sendo esperto, foge do anzol, que lhe é fatal,
esta luta que ganho é desigual.
Se aquele peixe que acaba de escapar,
agora se julgar mais esperto que eu,
azar o dele ou o meu ?
Porém em minutos terá esquecido as dores.
A dor de momentos anteriores.
Dizem que a memória do peixe
é de apenas um minuto,
isto ainda eu discuto e questiono.
Qual teria sido o psiquiatra que mediu esse tempo?
Será que foi Freud ou Jung,
Bem que poderia ter sido outro qualquer,
sem maior importância.
Apenas a dor da ferroada da mutuca me incomoda,
enquanto os mosquitos zoam em meu redor,
incomodando e irritando quem já nem consegue
pescar um peixe qualquer.
Procuro na fuga do meu pensamento,
a todo o momento encontrar uma razão,
para acalmar minha frustração
de não conseguir fisgar o peixe
que almejo.
Talvez a mudança do tempo
tenha a ver com minha frustração,
a lua já é não boa, obriga o jejum dos peixes,
que ficam apenas gastando energia
por mais dois ou três dias.
Uma abelha Europa incomoda
com sua zoada enjoada,
procurando na quirera do milho,
matéria-prima para sua colmeia.
Onde ali bem perto irá montar como abrigo,
para seu mel, tão cobiçado
por um ou outro malvado,
que não produz e se apropria do alimento.
Enquanto observo a pobre sardinha
que tenta fugir do ataque feroz da dourada
que se lança, sobre sua presa,
nem sempre tão fácil.
Alguns pacus reluzem à luz do sol,
quando se lançam à tona procurando
a quirera jogada, que ainda flutua
sobre a fina película da água corrente,
que segue rumo ao mar,
que mata a sede de todo vivente.
Um boto voraz passa lentamente a minha frente,
procurando respirar, em intervalos nem sempre regulares,
subindo e descendo e com isto espantando
os meus peixes, que ele julga serem seus.
Às vezes investem em cardumes inteiros
que passeiam bem perto dali,
aproveitando a quirera, que desce e flutua
sobre as águas do rio.
As espumas flutuantes descem lentamente
sobre as água correntes,
enquanto reflexos dourados do sol
atingem meus olhos em cheio,
mudo meu olhar em outra direção.
Algumas juritis pousam bem perto dali,
esperam minha ida, para se banquetear,
dos restos da pescaria.
Talvez a quirera já solta, molhada e jogada,
ou mesmo o milho, a soja encharcada,
fedida, jogada, esquecida,
em cima do plástico, à beira do rio.
Um martim-pescador me humilha
e me espezinha, quando em uma só arremetida
traz no bico um peixe que fora colhido
que bem poderia ser meu,
porém fico de bico calado.
Olhando apenas o bico da ave que voa,
e que sobrevoa, antegozando minha frustração.
Uma gaivota dá voltas sobre mim,
grasnando, tentando me afugentar para aproveitar
do banquete que pensa que vou deixar,
no lugar onde me acho sentado, pescando,
tentando pegar o peixe,
motivo constante de bom pescador.
O cheiro da flor que exala bem forte ali perto
serve de alimento a minha alma,
que se acalma.
Enquanto o beija-flor se delicia em seu vôo
continuado para frente e pra traz,
sem nunca errar o alvo desejado.
Passo a invejar os pequenos insetos,
pássaros e peixes que vivem, sobrevivem,
e não pensam.
Meu pensamento me traz angústias, solidão.
Meu vôo destoa e procuro distante
aquilo que deveria estar dentro de mim
e na constante luta entre mim e mim,
nem sempre sei que vem a ganhar,
se sou eu ou aquele que procura
melhorar o mundo para este outro “eu” viver.
O barco que passa veloz, cria as ondas que se abatem
na beira do barranco.
Enquanto isso, xingo mentalmente,
aquela atitude imbecil do motoqueiro,
que bem poderia ter passado mais devagar,
para minha luta não perturbar .
O meu desassossego e meu pensamento ele não escuta.
Um chiado logo atrás de onde me encontro,
me tira a concentração e me viro no mesmo instante,
que um peixe atrevido, sem aviso prévio,
puxa a linha comendo a isca tão bem preparada.
Retiro a vara de pesca de onde se encontra,
pego o anzol e nova isca é colocada
e jogada novamente no rio, no mesmo lugar.
A linha é como cabresto curto que apenas muda
a direção que logo é recomposta pelo movimento das águas.
E a briga constante entre meu eu
e meu pensamento fica o contentamento
de estar à beira do rio, descalço,
vestido e sujo sentado no chão
ainda úmido pelo sereno da noite anterior,
ou mesmo as gotas da chuva
que teimava em não vir.
Imagino mil ardis para conseguir vencer
os peixes matreiros, que correm e comem
sem nada pagar pelo seu alimento.
O peixe ladrão me tira do sério.
O cheiro do mato verde me acalma,
muitas vezes eu xingo o peixe fisgado,
coitado, como se ele tivesse culpa de algo,
enquanto o culpado sou apenas eu,
mais ninguém.
Invadi um espaço sagrado da natureza
e que procuro, com minha esperteza,
achar mais um meio de um peixe enganar.
Fico atento a qualquer movimento em torno de mim
e sons se sucedem nas folhas que caem,
grilos que cantam, pássaros que voam
e mesmo os peixes que pulam à caça do alimento,
que lhe garante a existência e o sustento .
Continuo tentando alcançar meu objetivo,
que nem mesmo eu sei qual é,
pois à medida que desejo um pintado,
até me contento com um pacu ou mesmo um piau,
até uma sardinha, qualquer peixe fisgado.
Minha falta de objetivo tem um motivo,
é falta do atrativo do peixe pela isca,
ele nem belisca ou mesmo se arrisca
engolir o engodo e fica apenas mordiscando,
roendo o que me irrita.
Tira-me a coragem de tentar puxar e fisgar.
Por vezes noto que as mordidas são do larápio tracajá
que há muito já me incomoda,
até mesmo sua prima, a tartaruga,
que me perturba durante todo o dia
de pescaria.
Volta e meia a observo, ela que me fita
de modo ousado,
meio desconfiado,
procurando no pescador
o seu provedor do alimento jogado.
Sinto a presença estranha bem perto de mim,
e ouço sons e chiados como passadas,
pisadas.
Vejo um homem que passa dentro da mata
procurando não sei o quê,
mas carrega um facão em uma das mãos
e na outra um rolo de papel.
Meu pensamento naquele momento
tenta espantá-lo para longe,
porém fico calado,
esperando que o bom-senso fale mais alto
do que simples palavras, evite o mau cheiro
ali perto,todos sabem o porquê.
Volta e meia um biguá
passa voando, cantando, grasnando,
mudando de lugar e procurando o alimento.
As gaivotas aos bandos volteiam no ar,
como nuvens levadas
que são pelo vento .
As garças que pousam
na ilha de areia, no meio do rio,
procuram nas rasuras a fartura do alimento
para pescarem seu sustento, ficam às vezes paradas,
inertes, como se nada as animasse.
O longo pescoço perscruta
o espaço, tentando pegar o alimento.
Um calango corre, passa veloz,
fugindo de algo que parece ser maior
e isso me distrai.
Olho pro alto, tentando enxergar
a altura do sol, procurando descobrir
quanto tempo ainda me resta
para pescar o peixe almejado,
quem sabe um pintado na pinda,
jogada e deixada na barranca do rio,
um pouco acima,
e isto me anima.
Levanto-me e puxo o viveiro dos peixes fisgados.
pego o menor piau que deverá servir
de isca para seu irmão maior,
um pintado e quiçá um simples barbado,
ou outro qualquer que vier.
O tempo veloz nestas horas,
procura fugir de modo acelerado,
enquanto espero encontrar o peixe desejado,
neste momento de deleite e de fuga,
nada encontro em meus pensamentos,
que possa me tirar do lugar de onde me encontro.
Sentado e sujo, o cansaço
traz-me irritação pelos insetos que picam,
o sol que esquenta, atormenta
e a sede que vem.
Tanta água que passa, nem posso beber,
por nela não ver a pureza cristalina,
pois passam sujeiras,
galhos desgarrados, garrafas jogadas
e quem sabe algo mais que foi diluído.
Preciso mitigar minha sede, que aumenta
à medida que penso em tanta fartura e
que falta para acabar com a sede que atormenta.
Levanto-me, recolho minha tralha
e vou embora, deixando tudo para amanhã,
quem sabe seja um dia melhor,
onde possa satisfazer meu desejo,
até vejo um dia melhor do que o de hoje.
Chego ao acampamento, bebo água bem fria
e depois uma cerveja gelada
que desce macio e acalma.
Então a preguiça que vem, a fome atiça.
Depois observo o céu onde poucas estrêlas brilham,
apenas alguns lumes se acendem e surpreendem
a quem não conhece um vaga-lume que brilha.
Logo vem o sono e a esperança de um novo amanhã,
vou dormir pensando nos erros do dia passado
e corrigir no dia seguinte as falhas cometidas,
razões pelas quais não consegui meu intento.
E assim pensando adormeço
e somente acordo em novo dia,
a luz que entra pela janela deixada aberta,
para passagem do ar quente e parado,
por queimadas, mormaços que ficam,
após a queima dos pastos.
uma nova etapa da criação .
Novamente prossigo rumo ao rio
tentando novamente vencer um desafio
e quem sabe pescar um peixe qualquer,
um peixe que possa acalmar meu anseio.