Uma borboleta em volta da luz

Apesar do nó

que não transponho

esses sonhos medonhos

esses mistérios

e dissintonias

esses lances todos

de magia

esoterismo

quartos escuros e mal assombrados

nuances

às vezes vejo abrir fresta

janela

e por ali entrar uma borboleta

e uma estrela cintilar solitária

um mundo inteiro

disponível

distante a piscar

parecer tão perto e possível

mas esperar milênios

é muito tempo

Esses lances assim

indefesos

miúdos

me arrancam de novo com raízes e tudo

me dão pernas

passos

o bê-à-bá

como se eu aprendesse a falar agora

e tivesse mil aprendizados à frente

certezas imensas pra confirmar

a cada dia

todos os sonhos a repor

vasilhames novos

para encher

como se eu tivesse tempo de sobra

e a água fosse escorrer da torneira

feito bica

sem fazer falta

Se assim fosse e pudesse

deixaria os dias irem indo feito rio

horas no leito

noutras tempestuosos

caudalosos

transponto margens

virando barcos...

Apesar do nó

dessa piedade terrível que se avizinha

da solidão que ronda

e os tormentos que afloram

fico na minha

converso com meus botões

dialogo com o vento

acalmo os terremotos

ponho terno e gravata

pasta sob os braços

documentos

tudo tem de bater

ser checado

ir, chegar, voltar

e tudo de novo

repetidamente...

Um dia após o outro

é muito tempo

para saber o fim do novelo

não há como pular os capítulos

os minutos

um segundo sequer

tem de passar pelos sonhos

de novo

insônias

esperas

desesperos

Mas aí vem a borboleta de novo

a ensinar vôos e possibilidades de mudança

dança sensual

em volta da luz...