VENTANIA INCONSEQUENTE (I)


Janeiro do ano 2000

 

 

 

(Eu confesso que esse era o meu estado de espírito, num passado não muito remoto.)

 

A descrença

 

 

Não suporto e não quero mais esse tipo de manifestação emotiva, por isso, eu vou tentar esquecer esse sentimento que se manifesta como blandicioso, mas na verdade é estúpido e enganoso, ele é como se fosse o cantar de uma sereia sedutora, a procura de um pseudo-herói para poder encantá-lo e dominá-lo.

Estou inclinado a extirpá-lo de mim urgentemente, porque esse evento emocional ou virtude existencial chamada de amor, nada mais é que um bumerangue imprevisível da vida.

Assim como ele nasceu alheio à minha vontade, agora eu não vejo um objetivo sadio para vivenciá-lo, entretanto eu desconfio que nele, de forma camuflada, estejam todos os desenganos e todas as futuras amarguras.

Ele se arremessou ou surgiu em mim de uma forma inesperada, tal qual uma ventania inconseqüente e, como toda imprevisível tempestade, ele está aluindo o meu equilíbrio e, como conseqüência, está me provocando uma incredulidade e uma dor profunda.

De forma silente e friamente ele me leva a experimentar o amargor da desilusão, a insipidez e a vacuidade do descrédito total, porque para mim não faz mais o menor sentido alimentá-lo.

Sofrer em nome de algo que surge do nada, e que no passado sempre me enredou em terríveis artimanhas emocionais, eu creio que o mais correto e dentro da minha baixa credulidade, seria de um bom senso considerá-lo um nada ou algo totalmente absurdo.

Com toda essa carga negativa que carrego, eu confesso que ainda elaboro certa subjetividade emotiva com relação a esse sentimento, talvez em função da minha teimosia em romancear a minha percepção exagerada a respeito dele.

Sempre sonhei com o idílio, com o romanesco, achando que a manifestação do amor seria através desse estado de espírito, e que a vida a dois fosse uma sucessão romântica de magia e encantamento.

Mas depois vim a entender que o amor só é eterno, ou melhor, ele tem característica de eternidade somente por alguns tempos, esse é um paradoxo de cunho hipócrita que eu ainda não tinha percebido no ser humano.

Por isso, eu fico induzido a pensar existir ainda uma reciprocidade quando realmente se ama alguém, desconfiando que seja, quem sabe, de forma fugidia ou dissimulada, e isso martela os meus pensamentos e os meus sonhos, pois posso estar sendo mais um candidato cativo à mercê da farsa humana.

Todavia, em função da minha feitura sensível, eu penso ainda que possa existir uma manifestação honesta que, a priori, pode se me apresentar como um possível e real idílio, entretanto, eu guardo lá as minhas dúvidas como se fosse um São Tomé.

Mas, dado a minha experiência nesse envolvimento, sinceramente, eu não vejo uma conotação possível para um evento maior e com total despojamento da alma, ou melhor, uma cumplicidade efetiva com um companheirismo humano e amoroso, sem que se caia num futuro conflito ou na perfídia, essa seria a última das maldades humana.

Por isso, eu vou afastar essa possibilidade da minha mente, pois ela já experimentou elaborações dessa natureza, portanto darei a esse sentimento uma menor importância, ou uma forma de rejeitá-lo, mas que não venha a ser interpretado como arrogância ou desprezo.

Não quero mais alimentar esse sentimento blandicioso, embora ainda o considere um “misterium tremendum”, mesmo porque, já experimentei e sofri essa experiência em minha própria carne, ou melhor, no meu próprio espírito.

É sabido que não quero de pronto me deixar levar a novas frustrações que, por certo, trariam em seu bojo como conseqüência a amargura, a saudade, o desengano, fatos esses que me levaram silenciosamente a uma rejeição, da qual fui recentemente um inocente alvo ingênuo e impotente.

O sentimento do amor é naturalmente bom, entretanto, na maioria das vezes, traz consigo um caminho emocional, tortuoso e incompreensível.

Tendo em vista toda essa complexidade emotiva, eu não desejo mais trilhar esse caminho, aliás, ultimamente eu só tenho visto maus tratos, dissimulação e traição, na verdade, não sei que tipo de amor é esse.

Para ser verdadeiro comigo mesmo e com as minhas convicções a respeito da convivência e do relacionamento a dois, confesso que ainda me resta uma tênue esperança de poder encontrar alguém para vivenciar esse sentimento de forma honesta, real, despojada e carinhosa.

Todavia, eu preciso e tenho necessidade de me reconciliar com o sentimento do amor, desde que seja compatível com os meus entendimentos e com a minha convicção a respeito desse supremo sentimento.

Eu sei que o amor é um dos arquétipos naturais do ser humano, entretanto, ainda não sei exatamente o que meu inconsciente realmente gravou a respeito desse sentimento.

Eu devo entender que, por certo, deve haver um depósito romanesco de símbolos a respeito do amor, devidamente acumulado durante o transcurso da minha vida.

Fica evidente que o meu inconsciente aspirou e realizou essa forma idílica de entender o amor, pois ele gravou em sua câmara escura e inescrutável os meus sonhos e os meus desejos.

Na próxima prosa-poética “VENTANIA INCONSEQUENTE (II)”, eu direi quem e como ela me fez pensar diferente a respeito do sentimento do amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eráclito Alírio da silveira
Enviado por Eráclito Alírio da silveira em 02/04/2008
Reeditado em 06/04/2008
Código do texto: T928427