TEMPO, MAR OU MARÉ

Amanheceu com uma claridade incomum, e volumosas nuvens estacionadas no firmamento são como sombras e prenúncio de chuva. O frescor, resquício de noite chovida, úmido de renascimento, inunda o espaço entre a Terra e o céu entrevisto nas frestas plúmbeas, enquanto tênues halos de luz pincelam tons de azul baço o todo que a vista alcança. Então sinto que o conjunto que faz este dia nublado é como se amanhecesse com sentimentos humanos.

Da sacada, observo a pressa com que as pessoas se dirigem ao ponto onde lhe cobram a presença, e intuo que são poucos os que sentiriam, com o espírito da indagação, as nuances dos elementos que compõem os grandes espaços do hoje. E também poucos confundiriam este dia com a felicidade ou a tristeza que porventura estivessem sentindo.

Talvez antropomorfisar o estado natural, e fazer deste ou daquele tempo o que me vai ao subconsciente seja antinatural. Deve haver, cogito, duas classes de homens; os que vêem as intempéries somente como a possibilidade simples de chuva ou sol, e outros, poucos, como eu, que mesclam seus sentidos à indiferente atmosfera, e alternam as condições do tempo como alternam o que lhe vai à alma.

Sim, são poucos, e tais desassossegados, pois a vida deve lhes doer mais do que os que simplesmente vivem porque têm que viver, são os que se perdem ou se corrompem com metafísicas de mar ou maré, ou lucubram sem razão o de estarem assim, aqui ou ali, rua ou esquina, claro ou escuro, frio ou calor.

Há, portanto, os que executam mecanicamente o ato da vida como peça de obrigatória engrenagem, e são mais felizes pois somente o corpo lhes deve doer. E há os que, vadiando nos escaninhos dos pensamentos, sonham com reinos inexistentes ou extasiam-se com as intempéries do mundo lá fora.

E cedem porções de si para que o tempo também seja alegre ou triste, cúmplice dos crepúsculos ou ocasos que lhes acodem à alma.