Um mito sobre a amizade: Damon e Pítias

Um mito sobre a amizade

“O que é um amigo? Uma alma habitando dois corpos.”

Aristóteles

Sempre que se fala de bons amigos, fidelidade e companheirismo, logo me vem à mente a história de Damon e Pítias, personagens da mitologia grega e símbolo do que lhes quero contar.

Tudo aconteceu em um lugarejo chamado Siracusa, na Sicília, em um século muito distante do nosso e mesmo antes de Jesus nascer. Era o século IV a.C.

Damon e Pítias eram muito amigos e viviam sempre juntos em todas as atividades do dia. Eram extremamente fiéis a esta amizade. Andavam pelos arredores da cidade, trocando ideias, como jovens pensadores que eram.

Pítias era o mais revolucionário dos dois. Alguém que possuía ideias avançadas e bem diferentes da época em que vivia. Um dia, em um de seus discursos de pensador e filósofo, saiu pregando que nenhum homem devia ter poder ilimitado sobre o outro e que os tiranos absolutos eram reis injustos. Pronto! Bastaram tais palavras proferidas publicamente para que os poderosos se sentissem ameaçados pelo poder da inteligência daquele homem simples. E o que estes fizeram para calar Pítias? Isso mesmo: mandaram-no aprisionar em um calabouço a fim de calar a sua voz. Assim, nada poderia ameaçar o poderio daqueles que mantinham o povo na escravidão dos corpos e das mentes.

Naquela época, quem estava no poder era Dionísio. Para que este rei garantisse o sua ditadura, aprisionou Pítias e também Damon. Mesmo preso e ameaçado de morte, diante das autoridades, Pítias confirmou suas ideias a respeito do poder e da liberdade. Pouco se importou em perder sua vida defendendo seus ideais de justiça social. Bastou tal declaração para que realmente fosse condenado à morte.

O rei Dionísio e outras autoridades condenaram nosso herói por traição. Antes de executá-lo, no entanto, o rei permitiu que Pítia fizesse seu último desejo. O jovem pediu para sair da cidade e se despedir dos filhos e da mulher e colocar os assuntos domésticos em ordem. Como o condenado vivia em outro lugarejo, longe dali, deveria sair de Siracusa. O rei considerou um afronto tal pedido.

"Quem pensa que eu sou? Um tolo? Se saíres da cidade para se despedir de sua família, jamais voltará. Não... Não... Isso nunca!"

Neste momento, Damon adiantou-se e deu-se por garantia:

"Deixo-o ir. Ficarei em seu lugar até que ele volte e tenho certeza de que meu grande e fiel amigo retornará e cumprirá sua palavra."

O rei, ainda incrédulo e desconfiado, analisou a situação e acabou por aceitar a proposta, impondo uma condição:

"Pítias poderá sair de Siracusa, mas, se ele não voltar, você, Damon, morrerá no lugar dele! ─ e, voltando-se novamente ao condenado, ─ Agora, vá! Resolva sua situação e volte. Lembre-se de que seu amigo é a garantia que tenho. Se não voltar, ele morrerá em seu lugar. Quero ver o tamanho desta amizade!"

Após a libertação de Pítias para que ele resolvesse seus problemas junto à família, muitos dias já tinham passado. Todos imaginavam que Pítias aproveitara-se da boa vontade do rei e da fidelidade de Damon para fugir e se esconder das autoridades. Porém, isso não era verdade. Pítias estava passando por vários problemas que o impediam de voltar a Siracusa, mas disso ninguém mais sabia. Somente o coração de Damon, seu fiel amigo, que acreditava no retorno de Pítias.

O rei, quando se aproximou do dia da condenação, foi até o calabouço para examinar o ânimo de Damon ao ser abandonado pelo amigo naquelas condições. Em tom zombateiro, ao ver o prisioneiro jogado num canto da cela, perguntou:

"Ainda tem esperança de que seu “fiel” amiguinho retorará? Ah! Ah! Ah! Somente um homem ingênuo como você acreditaria nisso. Poucas são as horas que lhe restam e nada farei para salvar a sua vida sem importância. Você é um tolo! O que pensa do seu amigo agora?"

"Ele não me faltará! Confio nele!"

O rei Dionísio estava saindo daquele lugar horrendo, seguido pelos guardas e deixando para trás uma sonora risada de quem nem ouvira as palavras do prisioneiro.

Damon conhecia o amigo. Sabia de Pítias: dos propósitos, dos valores, do caráter, da personalidade e, principalmente, no que eles dois acreditavam sobre a amizade que tinham um pelo outro. Sabia que Pítias era seu fiel amigo e que jamais romperia um pacto tão sério quanto o que tinham desde muitos anos. A morte e o medo não seriam motivos para que aquela amizade terminasse simplesmente, como as areias que fogem com a ventania dos seus montes, procurando sempre outras paisagens onde se refugiar.

No dia em que a condenação iria se realizar, Pítias chegou num repente, ainda sujo, cansado, pálido, esbaforido da batalha do caminho.

"Ainda bem que você ainda está vivo! Cheguei a tempo para ser eu o executado! Parece que tudo conspirava contra nós, pois tive muitos contratempos até chegar aqui. O navio naufragou e bandidos me atacaram pelo caminho! Não perdi a esperança! Consegui chegar e estou pronto para cumprir minha sentença de morte."

Todos os que estavam presente se surpreenderam ao ouvirem tais palavras. O rei admirou-se com o poder da lealdade entre aqueles dois.

Ao presenciar essa cena, Dionísio foi vencido pela beleza daquele sentimento grandioso que se manifestava de forma comovente diante dos olhos dos presentes. Imediatamente, o rei declarou revogada a sentença, admitindo ter cometido um erro. Era a primeira vez que presenciava evidências de tão elevado grau de amizade, lealdade e fé. Assim, o rei de Siracusa concedeu-lhes a liberdade, solicitando em troca que os dois amigos lhe ensinassem como construir tão sólida amizade.

"A sentença está revogada! Jamais acreditei que pudessem existir tamanha fé e lealdade na amizade. Vocês mostraram como eu estava errado. É justo que ganhem a liberdade. Em troca, porém, peço um grande auxílio."

"Que auxílio?" Perguntaram os amigos.

"Ensinem-me como consolidar tão grandiosa amizade."

Autora: Luciane Mari Deschamps

Luciane Mari Deschamps
Enviado por Luciane Mari Deschamps em 11/03/2012
Reeditado em 17/03/2012
Código do texto: T3548059
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