Depoimento sobre a Música Popular Brasileira (MPB), encaminhado para o concurso Manifesto Cantigários da Editora Guemanisse em 11/09/2007

Depoimento sobre a MPB Muito oportuno o Manifesto Cantigários, porque concordo em gênero, número e grau ( desculpe o lugar comum) com o conteúdo do mesmo. Hoje, com exceção de Chico Buarque e Aldyr Blanc, do Gingua e do Moacir Luz, e de outros como Djavan e Lulu Santos, cujas músicas curti muito. Quase não ouço MPB. Além da Bossa Nova, gostaria de falar do hoje pouco conhecido MOVIMENTO ARTÍSTICO UNIVERSITÁRIO - o MAU, do qual emergiram talentos como Ivan Lins, César Costa Filho, Gonzaguinha, e do qual o próprio Aldyr Blanc participou também. Aliás, antes da Bossa Nova não devemos esquecer do grande Noel Rosa, músico da malandragem sã das noites cariocas, com letras de alto astral como a da música “Feitiço da Vila” que até hoje dá um carisma especial ao bairro de Vila Isabel. Tenho certas ressalvas em relação à Bossa Nova, apenas no que tange ao fino da fossa, músicas de dor de cotovelo que me fizeram, adolescente, sofrer por amores que sequer ainda tinha vivido, o que trouxe um prejuízo pequeno para minha educação sentimental. Mas o meu primeiro contato com a poesia se deu ouvindo música, música da MPB, música que bem-te-vi, música que bem-te-ouvi, o que me fez aspirar ser poeta. Cheguei a fazer um samba em parceria com Sidney Mattos, na época guitarrista da banda do Ivan Lins, sob o título “Desabone”, que começava assim: “Se abandone nos meus braços, desabone a minha conduta, pois eu posso ser meio biruta, mas sempre fui sincero, sempre fui à luta” e que tinha seu melhores versos em duas linhas: “Desabone tudo que eu não fiz, feliz de quem ter algo por fazer...”. Hoje esse samba está registrado no Dicionário Cravo Alvim da MPB, e o Sidinho produz seus CDs independentemente. Voltando ao MAU: na rua Jaceguai 27, Tijuca, morava o dr. Aloísio, sogro do Gonzaguinha. O FESTIVAL JACEGUAI 27, ocorria no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Vi João Bosco e Aldyr com seu atabaque fazerem shows musicais em colégios secundaristas, antes de estourarem nas paradas. Não vejo mais isso acontecer, pelo menos no colégio de minha filha adolescente. O anestesiamento musical que a ditadura midiática, hodiernamente – uso essa palavra horrível de propósito –, impõe à população passa por uma exploração das sensações corporais ( não tenho nada contra o animal humano que também somos), em detrimento dos sentimentos que fazem essas sensações serem pensadas saborosamente e virarem música. Wilhelm Reich em seu livro A PSICOLOGIA DAS MASSAS DO FASCISMO, faz uma crítica interessante à propaganda fascista da alemanha hitlerista, que em muito se assemelha, embora invertida, com a ação midiática do Brasil de hoje. Lá, então, na emergência do nazismo, havia a propaganda para a purificação da raça e toda a repressão sexual e cultural resultou num sadomasoquismo coletivo, cujos resultados todos (todos?) sabemos. Aqui se faz outra coisa, com a mediocrização não só da música; a saber: a purificação do mal, a purificação do sadismo, o elogio da mulher bandida ( cachorra, etc...). Restando como última fronteira do algo condenável a pedofilia. É como se houvesse um fundamentalismo ultra-liberal que pugna pelo “liberou geral”, a fim de que nesses “prazeres” se dilua o sentimento da necessidade da cultura, do trabalho digno, num caldo de elementos confusos e notas dissonantes e faltosas de melodia. A axé music (argh!...) descambou para um sexualismo que agride até mesmo a sensualidade natural das baianas. Embora a musicalidade dos baianos ainda esteja bem representada por Ivete Sangalo, Bethânia e o eterno Caetano, que eventualmente ainda faz declarações políticas – como a última que lembro de que “ ... o Brasil parece que é habitado por uma gente ruim”. Comentário que acho pertinente, embora prefira dizer que o Brasil parece que é habitado por uma gente estragada. Estragada pela falta de cultura, diversão e arte, pela falta de trabalho digno, pelo mau exemplo dos políticos. Como se vê, ando com ouvidos moucos para a "MPB banda podre". Tenho a honra de ter sido, como membro do MUSICEME, o departamento musical do Conselho de Representantes dos Alunos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o organizador de um show com Carlinhos Lyra, Sidney Mattos e pela primeira vez tocando para um público a banda BOCA LIVRE. Isso aconteceu em 1975, num ginásio de futebol de salão, por onde passaram também Gonzaguinha, Paulinho da Viola, João Bosco, e pasmem, com lotação plena, Milton Nascimento, que depois convidado mais uma vez pediu para cantar na Concha Acústica da UERJ e cantou. Era um tempo que os músicos muitas vezes cantavam de graça para arrecadar fundos para pagamento de advogados de presos políticos. Era um tempo em que o sucesso de um compositor começava em contato direto com o público, o que ainda ocorre, sem que sejam alçados aos degraus de “glória” da mídia. Era um tempo em que todo artista estava onde o povo estava. Sobre música sertaneja, gosto do forró para ouvir e dançar, mas não de qualquer forró. Lembro do Rei do Baião com suas composições soberbas como “Asa Branca”. Não gosto muito de Sandy e Junior ( e das duplas sertanejas em geral ), mas não desconsidero a importância deles como geradores de emprego e se comparados com as líderes inomináveis dos adolescentes ingleses ou americanas, creio que estamos melhores. A indústria fonográfica de hoje quer suprimir o poder jovem, por isso não dá voz a todas as tendências musicais. Mas o hip-hop, os rappers têm emergido das favelas, cito MV Bill com suas músicas de protesto que vem sendo estudadas por doutores, mestrandos e especialisandos em letras na Universidade do Espírito Santo. O Manifesto Cantigários da Editora Guemanisse vem, oportunamente, abrir uma nova janela para o meu interesse musical, música para ouvir e dançar e para terminar a minha declaração de amor à música irei brevemente à Gafieira Estudantina Musical, ouvir e dançar boleros do Aldyr Blanc, fox trote, sambas. Não posso mais ir ao Café Nice, por onde passou muitas vezes Mario Lago, aonde dancei ouvindo Jamelão cantar ao vivo. Descaracterizaram aquela casa, que já chegou a ser um lupanar que não deu certo e que hoje é uma casa de dança que mais parece um play ground da Xuxa para adultos, que balançando seus esqueletos em ritmos esquisitos nem lembram os roqueiros que já dançaram charmosamente tomando um banho de lua, numa noite de luar, ao som de Celly Campello.

Nota: o livro acabou de ser publicado agora em 2008 com as crônicas selecionadas. A Editora Guemanisse tem um site com todo seu calendário de eventos e concursos, vale a pena participar, são pessoas extremamente sérias e conhecedoras da cultura brasileira.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 30/12/2008
Reeditado em 09/01/2010
Código do texto: T1360417
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