Noite,de André Ribeiro Leite




29/11/2005 17h22
André Ribeiro Leite:Noite
O Dr.André Ribeiro leite mantém o site direito e Poesia-Lutando com as palavras(*).Como eu andei a procalamr a força da palavra como nossa arma,o que foi alardeado pelo amigo e grande poeta Plynio Sgarbi,ao ler um de meus textos,interessei-me pelo site,mandei versos.
Troquei e-mails com o André.E não é que um belo dia(ou noite/madrugada)abri um e-mail e lá estava ele a me avisar que eu já possuía uma antologia poética, o site estava me presenteando.
Fiquei muito tocada e toda vez que vou lá ,sinto-me "em casa".De uma delicadeza ímpar,sempre que me avisa que já está no ar alguma contribuição de minha autoria,repete que estão esperando mais uma .

O site tem em Tobias Barreto um grande homenageado.Vela Cariri ,que faz a autobiografia dese moço,nascido no ano de 1980,em Aracaju(Se)mostra já no início ,a espécie deser humano que esse jovem é:

"Por esta época terminei meu curso de Engenharia de Minas na UFPE. Até o conhecer, eu trabalhei, estudei, formei família; rodei bastante. Enquanto isso, ele aprendia a falar, a ler e escrever, brincar e cresceu tanto que quando o conheci não tive dificuldades de gostar do seu jeito. Era um moço que entendia um velho e um velho que entendia um moço, numa relação quase simbiótica.

Foi na UFS, no curso de Direito, que nos conhecemos. Entre todos os colegas, ele me chamou atenção pela sua serenidade e astúcia ao tratar dos assuntos jurídicos. Raramente fazia perguntas, mas quando fazia, saia de baixo! "

Penso que é preciso ler in loco,para sentir a emoção dessa parceria amiga:

http://infonet.com.br/direitoepoesia/andreribeiro-biografia.asp

Aproveitem para ver minha antologia poética,tão gentilmente abrigada ali.

Do André,transcrevo aqui,o conto abaixo.Trata-se de pungente e dolorosa prosa onde a Poesia ora se esconde nas dobras da colcha aerta,ora apresenta aetérea cabeça,talvez para receber um cafuné do leitor.O transitório e o permanente são nessa história,representados pelo espírito visitante e o mendigo que se atravessa no caminho do protagonista.O que fala na primeira pessoa,tem no verbo,uma torrente desatada de emoções e conflitos...Debate-se entre o real e o surreal,o efêmero e o eterno,antigas dúvidas do ser humano...
belíssimo texto,belíssimo... O André merece aplausos por ele.


Clevane Pessoa,em tarde cinzenta e fria das Minas Gerais,para a luz que reina em Sergipe...

Noite


André Ribeiro Leite




Havia chegado em casa por volta das duas da manhã. A impressão que tinha ao olhar pela janela de meu apartamento era de total desolação. A cidade, outrora efervescente e implacável, dormia.


O vento, ao se encontrar com o vidro da janela, assobiava forte, compondo uma estranha sinfonia que sombriamente acalentava aquele monótono enredo que lá fora persistia. Estava frio, mas o que mais me desconfortava era imaginar que o torvo manto da noite, ávido por aumentar suas posses, como se insatisfeito com o mundo que insaciavelmente engolira, houvesse invadido meus domínios ao se propagar pela sala. A escuridão, confundindo-se com os antigos móveis de madeira, escondeu a harmônica impressão de austeridade que os mesmos prestavam ao ambiente. Resignado, observava a única alma que encontrara.


Um pobre mendigo, abrigando-se em caixas de papelão, espremia-se num dos bancos da praça, tentando encurtar a longa noite que ainda tinha pela frente. Os poucos carros que transitavam passavam atônitos, alheios a sua miséria, sôfregos por concluir a curta jornada que lhes faltava. O velho espremia-se ainda mais ao ruído dos motores e discretamente tentava concentrar-se um tanto sequer no barulho da marola indo de encontro à balaustrada.


Quisera ter chegado mais cedo. A sala escura e silenciosa só me trazia pensamentos indesejados. Quantas injustiças havia sofrido e quantos erros tinha cometido. Arrependia-me de não poder ser melhor e orgulhava-me de ter resistido. O que estava fazendo?


O velho se levantou e começou a caminhar de braços cruzados. Como se vencido, parou na esquina e baixou a cabeça aparentando aguardar a tão temida sentença por mais uma noite.


Dei o último gole em minha garrafa e abandonei-o a mercê da glória que anseia cada combatente antes da última batalha. Impossível imaginar quantas experiências estavam sendo revividas naquele momento, quanto calor se esvaia ao som de desejos incitadores.


Queria adormecer logo.


Os pensamentos ecoavam. Encolhia-me com todas as minhas forças. Sentia-me desprotegido, à mostra. Tentava esconder cada parte desnuda de meu corpo sob o cobertor. Minhas pálpebras pressionavam-se a ponto de tornarem-se únicas e minha garganta, já seca, ardia à passagem do mais frágil sopro de ar. Foi quando percebi sua presença...


De início, recusei-me a senti-la. Não queria vê-la e censurava qualquer movimento que meu corpo almejasse fazer. Quanto tempo mais teria que esperar até que deixasse meu quarto?


Era tão indesejada e, entretanto, ainda estava lá...


Meus pensamentos transformaram-se em murmúrios. Eu deveria desafiá-la. Somente assim poderia me libertar. Suas visitas estavam cada vez mais constante. Preces, pedidos, silêncio; nada adiantara. Acreditem. O frio consumia minhas forças, fragmentava minha alma. Os murmúrios de minha mente confundiam-se com gritos alucinantes. Estava em pânico...


Quem seria a solitária visitante das noites? O que almejava?


Decidi agir. A penumbra, lentamente, começou a escorrer por meus olhos. Chegara o momento do confronto. Vi pequenos fachos de luz alternando-se sob o teto, vindos da janela. A vida lá fora não havia cessado. Ainda estava sobre meus domínios. Enquanto assim o fosse, sabia ter uma chance. Apertei minhas mãos contra o peito e, discretamente, voltei minha cabeça para esquerda até avistá-la pela primeira vez.


Como eram frágeis meus olhos...


Ali estava sua silhueta, ajoelhada sobre a cama, esguia, alva. Parecia absorver às intermitentes luzes que teimavam em desafiar a escuridão. Não consegui ver seu rosto. Era vazio, fosco. Sua cabeça estava baixa e tal qual um penitente concentrava-se em observar os súplices movimentos de seu braço. Com gestos suaves, deslizava sua mão no ar a poucos centímetros de meu corpo, em meio às últimas gotículas de orvalho que pairavam no ar.


Aparentava haver enebriado-se numa reza fervorosa. Estava receosa, como se tentasse, desesperada, libertar-se de sua imaculada pureza, clamando apenas, por um único instante, por um simples momento, pela oportunidade de trocar toda sua existência sacra para, pela última vez, num sopro de vida, ter novamente a oportunidade de tocar um corpo. Era indescritivelmente belo e ao mesmo tempo mórbido.


Foi então que suspirei, tímido, assustado, mas o suficiente para espantar aquela angelical figura que naquela noite visitara meu quarto mais uma vez.


Lembro tê-la visto encolher o braço e voltar seu rosto para mim, e nada mais...


Na manhã seguinte tudo voltara ao normal. Guardei, como todas as outras vezes guardara, sua visita em segredo. Por noites e noites seguidas, dia após dia, esperei por seu retorno. A janela entreaberta anunciava os preceitos de boas-vindas, mas nunca mais a veria.


Esta noite não encontrei o mendigo. O banco estava vazio e os carros da avenida, alheios como sempre, agora passavam sobre um pequeno pano que o vento arrastara até a pista. Uma pequena chama flutuava sobre o rio, harmoniosa com o movimento da marola, única, sublime. Bem podia imaginar a figura pacata do pescador que pernoitava atrás de um reles peixe. Como ansiava voar e compartilhar de suas confissões. Quisera movimentar aquele barco contra a correnteza, se assim o fosse, e iluminar o caminho que traçasse, mesmo que com aquela agonizante chama.


O arrependimento e a dor me invadiam silenciosamente. Por que não a permiti sonhar? Por que não a libertei? Não fossem os ruídos de meus temores, medos, preconceitos...


A tranqüilidade veio com o tempo. A janela, agora fechada, impedia o barulho do tráfego. O velho insistia em dormir ao relento face o embalar das ondas e à agonia inócua dos noctívagos. O pescador imaginava seu lampião em meio às estrelas que o assistiam. Imparcialmente, continuava a dormir o sono dos vencidos...


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1 Noite. Caderno do Estudante/Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, v. 03, p. 43-46, 2003
Publicado por clevane pessoa de araújo em 29/11/2005 às 17h22

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