64 contos de Rubem fonseca

Esta coletânia de contos de Rubem Fonseca, agora também cronista no site Portal Literal. reúne os melhores contos do escritor segundo o próprio autor. Antecede-a uma introdução de Tomaz Eloy Martinez, sob o título A sinfonia do mal. Não a toa, Rubem Fonseca viaja ao submundo de todas as classes sociais e da incomunicabilidade entre elas - só há comunicação através ou por meio da violência.
No conto Feliz Ano Novo, há um assalto a uma casa burguesa com mortes e estupro, no qual a vítima tem um orgasmo; No conto O corcunda e a Vênus de Botticelli - o homem defeituoso lança mão da cultura para conquistar mulheres, como se fosse um Hefesto a atar e desatar nós; no Família é uma merda fala da vergonha que um homem
tem da namorada feia que trabalha na farmácia e faz uma apologia à família.
Rubem Fonseca nos ensina na verdade a termos malícia, a perder qualquer ingenuidade, a acreditar que os homens de boa fé desapareceram quase todos.
O conto que vou comentar um pouco mais a fundo, porque é o meu predileto desse autor chamasse O anjo das marquises.
Trata-se de um conto de estilo clássico, no qual um golpe do destino
muda a expectativa de itinerário ou destino do protagonista.
O conto chamasse Anjos das Marquises, e é no primeiro parágrafo que o golpe acontece; leiam abaixo:

Paiva continuava acordando cedo, como fez durante os trinta anos em que trabalhou sem parar. Poderia continuar trabalhando mais algum tempo, mas já ganhara muito dinheiro e pretendia viajar com a muher, Leila, para conhecer o mundo enquanto ainda tinham saúde e vitalidade. Um mês depois da aposentadoria as passagens aéreas foram compradas. Mas a mulher morreu de um mal súbito antes da viagem, deixando Paiva solitário e sem planos para o futuro.

Habituado a acordar cedo, passou a passear por Copacabana e, sem nunca ter sido religioso não frequentava igreja, recebera um convite para ser maçom, mas declinou-o, não fez amigos no trabalho. Num desses seus passeios matinais viu um homem e uma mulher ajudarem um mendigo, dirigiu-se a senhora e perguntou o que faziam. Ela respondeu que era um trabalho voluntário. Perguntou se podia ajudar e deixou seu nº de telefone, quase chegou a dizer que tinha dinheiro.
Esperou em casa ansioso o telefonema, sem resultado.
Uma semana depois reencontrou os anjos das marquises. Ao aborda-los novamente agora foi o homem que falou com Paiva, e ao saber do seu interesse em ajudar pediu que deixasse o telefone, pois combinariam de vir busca-lo de carro a fim de que conhecesse a sede da instituição; assim foi feito.
Ao chegarem na casa de subúrbio bem limpa e arrumada, entraram os três, atravessada a sala entraram numa sala de centro cirúrgico, antes
que Paiva esboçasse uma palavra, dois enfermeiros fortes aplicam-lhe uma injeção que o faz dormir.
Arrancam-lhe os pulmões, o motoboy já está na portaria para receber a encomenda, agora irão retirar-lhe os rins.
Homem vivido, desde sua estreia como romancista, com o livro O caso Morel, Rubem Fonseca ora ensina malícia ao leitor, ora ensina a viver, inclusive a como enfrentar os perigos contemporâneos, como o fez magistralmente em um outro conto A arte de andar no Rio de Janeiro; é só ler e conferir. Não é à-toa que o autor é um dos poucos brasileiros a ter ganhado o Prêmio Camões de Literatura.