MIGUILIM - UMA NOVELA DE JOÃO GUIMARÃES ROSA

RESENHA DA NOVELA DE GUIMARÃES ROSA-MIGUILIM

O Autor:

João Guimarães Rosa nasceu em Minas Gerais em 1908 e faleceu no Rio de Janeiro em 1967. Diplomou-se em Medicina, mas notabilizou-se como escritor, pelo seu estilo singular de escrever, de contar suas histórias vazadas de sentimentos, de indagações sobre a existência humana, sua morte, a crença em Deus.

Apresentou em suas obras um estilo próprio, fazendo uso de vários recursos da língua. Percebe-se nelas a presença da linguagem coloquial interiorana, atemporal, revolucionária, em que consegue, a partir do regional, atingir o universal.

Em Miguilim, uma das novelas que compõem o livro “Corpo de Baile”, segue uma estética em que procura retratar, de modo realista, o cotidiano. Pode-se chamar de neo-realismo que, numa visão crítica da situação em que vive uma família, faz uma análise psicológica do seu personagem central – Miguilim, ao mostrar suas inquietações, angústias e sofrimentos.

A Obra:

Miguilim é uma novela narrada em 3ª pessoa, que conta a história de uma criança de oito anos, Miguilim, filtrada através de sua visão. Em vista disso, a visão de mundo apresentada pelo autor é organizada a partir desta perspectiva: toda a experiência de vida de um menino muito sensível e frágil, envolvido com as coisas e as pessoas e absorvendo para si os problemas da realidade circundante. Sentia uma ânsia grande para conhecer o mundo e compreendê-lo. É o retrato da vida sertaneja de uma família, em que “Miguilim” vive toda a problemática que envolve seus familiares, demonstrando sensibilidade e agudeza de espírito diante dos fatos cotidianos.

Esses fatos acontecem na fazenda Mutum, o universo de Miguilim. Ali, participava como adulto de todos os acontecimentos, vivenciando os momentos difíceis com sentimento próprio de adulto; vivenciando os momentos alegres dos folguedos, com sentimento próprio de criança.

No Mutum, Miguilim crescia ao lado dos pais e irmãos, da avó, dos empregados da fazenda. Via no pai a figura de um homem seco, rude, incapaz de dar-lhe um carinho ou brincar com ele. Ele que necessitava tanto de um gesto de ternura, por ser uma criança sensível e delicada. Sua mãe, mulher submissa e dedicada aos afazeres domésticos, era uma presença amiga e carinhosa em meio a tantos problemas. Entre os irmãos havia um, Dito, de quem ele mais gostava. Era seu companheiro das horas alegres quando brincavam vivendo sua infância, mas era também o amigo com quem conversava, questionava preocupado em entender tudo que por ali passava.

Miguilim vivia nesse ambiente interiorano e, por isso, assimilou os modos de vida daquele lugar, suas crendices, superstições. Sua linguagem marcada por um sentimentalismo ímpar, reflete a maturidade de uma criança diante da dor, da doença, do sofrimento e da morte.

Certa vez, Miguilim adoeceu. Cismou que ia morrer. Contava os dias, as horas. Sofria muito naquela expectativa. Rezava com a dor apertando o coração. Mas não morreu. Melhorou com o tratamento dali mesmo.

Um dia, Dito amanhece doente. Na fazenda todos se movimentam em torno dele. Chegam rezadeiras, benzedeiras. Miguilim, envolvido nesse mundo de crendices, superstições chegou a pedir para Mãitina fazer um feitiço. Davam-lhe pastilhazinhas, mas o mal não é controlado e Dito morre. É tristeza geral no Mutum. Miguilim sente que se foi uma parte dele também. Sentia raiva. Não das pessoas, nem de Deus. Mas não sabia de quem ou de quê. Seu irmão amigo, aquele de quem pensava nunca se separar, tinha partido. Agora é só melancolia em torno de todos.

Béio, o pai de Miguilim, resolveu dar-lhe trabalho. Miguilim trabalhava todo o dia na roça: cortava lenha, pegava cavalos. À noite, seu corpo doía. Um dia, quando capinava, sentiu-se mal. Foi para casa tremendo, vomitando... Todos ficaram preocupados, até o pai, na rudeza que lhe era peculiar, chorou desesperado.

Arrependido pelos seus atos cruéis, desespera-se. Num descontrole emocional, mata-se. Miguilim sente muita tristeza e relembra de Dito. Era uma saudade bem lá dentro, bem doída, sozinha, que apertava o peito.

Aos poucos Miguilim se recupera. Um dia, brincava ao redor de casa, quando avista um homem a cavalo. Era o Doutor José Lourenço que ao ver o menino logo descobre alguma coisa nos seus olhos. Conversa com sua mãe e, na volta do passeio, passa pela casa e leva Miguilim para a cidade. Todos sentem falta dele.

Foram dois fatos importantes e decisivos na vida da personagem principal: a morte do irmão e a descoberta da sua miopia. São fatos em que o autor dá uma ênfase especial, por se tratar, o primeiro, da sensibilidade, da dor, do sentimento tão doído de saudade; o segundo, pela descoberta do mundo, tal como ele era através dos óculos do doutor. Com a descoberta da miopia, Miguilim passou a ver um mundo diferente, mais claro, lindo e verde. Via agora coisas nunca vistas antes.

Miguilim é, pois, uma novela desse eminente escritor, que merece ser lida e apreciada por todos, pela grandeza de sentimento que carrega no desenrolar de sua trama e pela riqueza vocabular das suas personagens. No mundo do escritor, tudo e todos têm um nome que os individualiza e os caracteriza. Sem dúvida, essa é uma das fortes características da prosa de Guimarães Rosa. Sua linguagem apresenta coerentemente vários recursos que reproduzem a linguagem infantil e vários aspectos da linguagem regionalista. Vêem-se também expressões da linguagem popular, uso duplo de negativas, arcaísmos, inventividade que é uma marca da prosa roseana.

Ao ler a novela, nota-se uma forte presença da religião, não como matéria teológica, mas intuição e sentimento do universo. Criou universos de lutas, de dores, de fadas, de demônios... Entre as crianças maltratadas pelo destino, aparecem Miguilim e Dito, seres humilhados à espera de uma redenção.

Percebe-se que, em toda a obra, os seres não se desenvolvem por igual, permanecendo sempre algumas áreas para serem iluminadas, já que aparecem cheias de sombras, onde a perversidade, os crimes estão sempre presentes.

De tudo quanto apreciei, o que mais me chamou a atenção foi a capacidade do autor em discutir e analisar problemas universais, partindo de uma realidade regional. Quanto mais particulariza o texto, mais o torna universal. Guimarães insere o homem no seu contexto interior e não o despoja do atributo da sua transcendência.

Portanto, é leitura necessária a todos que apreciam literatura e que se entrega à leitura dos bons escritores que encaminham o leitor a viver com o autor uma nova natureza dentro do universo natural. E esta outra natureza tem o nome de universo humano – a subjetividade, a nossa intimidade como indivíduos e a comunidade social em que inserimos a nossa existência e o nosso destino.