Vargas Llosa, Mario. Os cadernos de dom Rigoberto: tradução Joana Angélica d’Ávila Melo. – Rio de Janeiro:Objetiva, 2009.

Quem não leu o romance Elogio da madrasta deveria lê-lo antes de aventurar-se à também saborosa leitura de Os cadernos de dom Rigoberto. Os dois romances são sequenciais e poderiam ser reunidos em dois tomos sob outro título para não serem vendidos separadamente.

Desde o romance O elogio da madrasta, o escritor peruano, num antagonismo completo ao gênero romance de formação, faz narrações sobre a sexualidade pueril masculina, quase numa perspectiva freudiana, posto que somente no quarto final do segundo tomo chega a mencionar algo sobre a sexualidade pueril feminina – o continente desconhecido freudiano. Mas já publiquei resenha sobre O elogio da madrasta, cito-o somente por ser um prolegômeno ao Os cadernos de dom Rigoberto.

Este é o romance mais contemporâneo do autor. Um romance ensaio assumido como tal logo na epígrafe assinada por Montaigne: “Não posso manter um registro de minha vida por minhas ações; o acaso as situou demasiado baixo: mantenho-o por minhas fantasias’.

Romance ensaio que permeia temas das atualidades onde o drama se reinsere num mundo onde o sexo aderna mais para a pornografia do que para o erotismo.

Sexo sem drama das novelas, onde as traições não trazem carga emocional correspondente e interessa ao ibope sem memória do dia seguinte; sexo sem drama dos amateurs dos sites de pornografia. Se o senhor é um desses aficionados ao prazer regulado pela sociedade de consumo, não leia Os cadernos de dom Rigoberto; vá ler os textos eróticos dos pseudo-escritores do Recanto das Letras, onde o sexo é tão banalizado como é o mal nas teses de Hannah Arendt. Faça uma assinatura do Pornô Tube and Pussy Porn, é vá dar seu dinheiro aos caftens multinacionais. Mas faça mesmo porque se não pagar eles vão encher de spams seu computador e não vão sossegar enquanto não roubarem a senha do seu cartão de crédito. Mas não leia Os cadernos de dom Rigoberto. Esse pedido, no corpo do romance, quem faz é o próprio Vargas Llosa, que não quer como leitor um tipo sórdido como o senhor.

Os cadernos de dom Rigoberto é um romance sobre a reinserção do drama no cotidiano das pessoas, não é um romance pudico, muito pelo contrário é um romance de forte carga erótica. Uma ode ao amor sexual individualizado citado por Friedrich Engels, em seu livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado, creio que no primeiro momento em que essa terminologia sexual foi usada para falar de amor; o amor sexual individualizado idealizado por homem como Bertrand Russel. O amor tensionado pelos fios dos sentimentos e da mútua atração, que quer a posse porque se fez entrega, que quer realizar as fantasias com a mulher amada.

Um amor digno de ser registrado em Os cadernos de dom Rigoberto.

Enquanto, paralelamente, Fonchito, o filho de dom Rigoberto, causador da separação do pai e da madrasta, numa identificação projetiva com o pintor Egon Schiele, manipula pai e madrasta para que voltem a viver juntos. Dom Rigoberto e Lucrecia, a madrasta, sofrem a perversidade do amor, porque em nossa opinião Fonchito é um personagem que incorpora o deus mitológico do amor: Eros; e Egon Schiele uma fantasiosa antonomásia pueril de Eros.

Vargas Llosa é um liberal e várias vezes manifestou que sem o romance não há democracia, porque o romance é a expressão mais plena da alma humana. Em Os cadernos de dom Rigoberto dá uma prova belíssima e cabal da sua coerência literária.

Embora de alto teor erótico ninguém ficará excitado ao ler Os cadernos de dom Rigoberto; o amor não foi feito para trazer excitação e sim saciedade. Ao fim do livro temos a satisfação de uma boa leitura, sentimo-nos saciados por termos cumprido a saga de amar um livro.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 04/09/2010
Reeditado em 02/05/2011
Código do texto: T2478034
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