Os livros do chamamento, da redenção e da paixão em três tempos da poeta Mariana Ianelli

Já publiquei essas três resenhas em separado aqui mesmo no site, mas agora decidi reuni-las, porque entendo esses três livros da poeta como a composição de uma trilogia. Camões escrevia sobre o amor por saber pensar o amor para senti-lo, não era um poeta de catarses sentimentais. Mariana Ianelli também pensa o amor para fazer o leitor senti-lo mais profunda e apaixonadamente; seguem abaixo as três resenhas:
Fazer silêncio, livro de poemas de Mariana Ianelli.

Ianelli, Mariana, 1979 – Fazer silêncio/Mariana Ianelli. São Paulo: Iluminuras, 2005.

O site da excelente poeta Mariana Ianelli é http://www2.uol.com.br/marianaianelli/. Nele a Poeta, mestre em Literatura e Crítica Literária, e resenhista, colaboradora dos Jornais O Globo – Prosa&Verso (RJ) e Rascunho (PR) expõe poemas de seus livros ao público leitor, declama-os e diz ao que veio: ser um dos grandes poetas da literatura contemporânea brasileira.

Nascida em 1979, quando então eu era um médico residente em pediatria, Mariana Ianelli é da geração que ajudei a colocar no mundo. Poderia ter feito sua sala de parto, como fiz de muitos bebês hoje da sua idade. Jovem e talentosa é um orgulho para as letras do Brasil.

Para mim a descoberta de Mariana Ianelli deu-se em mídia impressa, quando, no Rio de Janeiro, fui à livraria Estação das Letras inscrever meu nome na Oficina Poesia necessária, ministrada on line por Fabrício Carpinejar no site do Portal Literal.

Li então sua entrevista no jornal Estação das Letras, cujo conteúdo é o de uma crítica velada à sociedade do espetáculo em que vivemos. Velada e contundente, exatamente pela discrição de todos seus óbices a essa espetacularidade ou exibicionismo social. Para além dessa crítica a entrevista era um convite à leitura de algum dos seus livros. Visitei seu site, mandei um email e a artista teve a gentileza de, para uma primeira leitura de sua obra, indicar-me o livro Fazer silêncio.

Encomendei o livro e prometi fazer uma resenha para publicar num site de visibilidade. O livro tem orelha escrita por Fabrício Carpinejar e o prefácio escrito por José Castelo, dois pesos pesados da literatura contemporânea, o que torna mais difícil ainda escrever sobre o book de retratos poéticos de Mariana Ianelli. Eis o que senti do livro:

Fazer silêncio, livro de poesias de Mariana Ianelli, é um livro intimista, em que a autora envolve o leitor num generoso holding desde a primeira página. Cito Jorge Luís Borges para começar a compreender a poiesis mariana ou ianelliana, prefiro usar o sobrenome que não comporta ambiguidade e é a forma correta de referenciar um autor . Borges, citado de memória, escreveu que não existem versos livres, que os versos livres são semelhantes aos clássicos, quando as regras de versificação ainda não haviam vicejado. Então, imediato, posso afirmar que os versos de Ianelli são clássicos, sua obra permanecerá e estará nos compêndios de literatura do futuro.
O que Borges quis dizer é que os poemas, mesmo os de versos livres, precisam ser ourivesaria, obras dignas de serem chamadas de literatura, e os poemas de Mariana são, cada um deles, poemas para serem lidos e relidos, para serem juntados em livros para serem lidos e relidos, livros que devem constar de nossas bibliotecas de poetas ou aspirantes a poetas.
Na poesia contemporânea, privilegia-se mais o ritmo que a rima ou a métrica e os poemas de Mariana Ianelli, prenhes de mundividência metafórica, são cadenciados, trançados na torrente de um rio feminino em poesia de primeira água.
Fazer silêncio é livro para ser lido neste fluxo de rio rumo ao estuário, porque a poesia da autora não cabe apenas num rio. A intensidade da leitura vai num crescente de alargar margens, até que ao fim sentimos vontade de retornar à fonte, ao manancial de águas tépidas sem sinuosidades desnecessárias.
Sou um estudioso das figuras de estilo da arte poética e da metrificação. No livro de Mariana se esses recursos são utilizados (falo aqui apenas das figuras de estilo) isso teria que ser observado poema por poema, porque não são facilmente percebidos.
Não consegui observar nenhuma filiação da poesia de Mariana Ianelli a outros poetas de meu rol de leituras. É difícil ser original e Mariana é. Só conferir, visitem o site da autora, lá está o caminho das pedras que levam à montanha da sua alma.
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ALMÁDENA- livro de poesias da Mariana Ianelli- Editora Iluminuras 2010

A paz existe quando o espírito encontra com o corpo.

Fausto Wolff.



Mário Quintana escreveu que um bom poeta é aquele que lê o leitor. Este a meu ver é um conceito limitado. O bom poeta seria então aquele escrevinhador de poesia sensorial, aquele provocador de sensações como um Álvaro de Campos. Então bastaria a Fernando Pessoa ter este heterônimo para ser um bom poeta? Claro que não! Outros Pessoas se desdobraram em heterônimos para o poeta do Tejo ser o poeta maior que é. O bom poeta, pensei, é aquele que lê e inscreve no leitor. Alexandre Moraes, em seu livro Preparação para o exercício da chuva, escreveu: “Nós somos aqueles que conseguiram não se ausentar.” Essa frase ficou inscrita em mim como uma redefinição do ser. Mas isso ainda não bastava para mim, não bastava para eu saber o que era um bom poeta. Muitos filmes, alguns romances, alguns contos, os ensaios de Montaigne, haviam provocado em mim sentimentos que a poesia e os bons poetas e mesmo os poetas maiores não haviam conseguido provocar.
Talvez a poesia pura conseguisse isso. O romance nasceu da poesia, mas nunca vivera, antes de ler Almádena de Mariana Ianelli, um romance em relação a um livro de poesia. Ler Almádena para mim foi viver uma estória de amor, estória sem enredo, sem premonições em relação ao fim, porque a obra de Mariana Ianelli vem a provocar neste leitor, já li também seu livro Fazer silêncio e tenho outro na fila, um amor infinito.
Desde Cecília Meireles, não surgia na poesia brasileira um poeta com lirismo tão poderoso quanto o dela. Mariana Ianelli veio preencher este vazio. Cecília Meireles chegou a ser considerada a namoradinha do Brasil. A puerilidade dessa pecha desmoronou com o tempo e, ao surgir no cenário das letras uma poeta como Mariana Ianelli, podemos dizer que todos os amantes e as amantes da poesia teem uma poeta brasileira para se apaixonarem, e, ao se apaixonarem, não terem medo de estarem vivendo uma ilusão. Sim, a leitura da obra de Mariana Ianelli é apaixonante, e como só o amor nos amadurece, a poesia de Mariana Ianelli causa um efeito sentimental em quem a lê de verdade. Então o bom poeta passa a ser o que lê o leitor, inscreve no leitor e é lido pelo leitor como alguém essencial, como alguém sem quem não podemos mais viver, como alguém que transcende o leitor por sua poesia possuir uma mística.
Robert de Souza, em Um débat sur la Poésie, tenta resumir o pensamento do Abade Brémond sobre poesia pura em seis itens:
1) Todo poema deve suas características poéticas essenciais a uma espécie de realidade unificadora e misteriosa;
2) Não basta, nem é necessário, ler poeticamente um poema para captar-lhe o sentido, uma vez que existe certo encantamento obscuro e independente do significado das palavras;
3) Poesia não se pode reduzir a um discurso prosaico, pois constitui um meio de expressão que ultrapassa as formas comuns da prosa;
4) Poesia é uma espécie de música e ao mesmo tempo não é apenas música, pois age como uma espécie de condutor de corrente pela qual se transmite a natureza íntima da alma;
5) É a encantação que proporciona a comunicação inconsciente do estado de alma em que se encontra o poeta até que se manifesta por ideias e sentimentos, momento esse que se revive confusamente lendo o poema;
6) A poesia é uma espécie de magia mística semelhante ao estado de oração. (1)
A poesia de Mariana Ianelli reúne em Almádena (Torre de mesquita de onde o almuadem conclama os muçulmanos às orações; MINARETE) todas as qualidades que o Abade Brémont elencou para a caracterização de poesia pura.
Desde Cecília Meireles, não surgia na poesia brasileira um poeta com lirismo tão poderoso quanto o dela.
O sentimento de ler Almádena foi de que aos poucos Mariana Ianelli ia tirando pedras de dentro de mim para construir sua torre lírica. Algo de novo acontecera no leitor, algo mágico, místico, profundo e visceral, que me fez diferente como já ocorrera comigo após viver situações passionais, situações de força sentimental, encantamento de redescoberta do amor. Mariana Ianelli, eis uma poeta para ser lida por todos os amantes e as amantes da poesia. Felizmente já sou um desses amantes da obra de Mariana Ianelli. Obra a ser cortejada por todos, a ser compartilhada, alardeada em vozes de almuadens por todas as torres do Brasil.

1) Campos, Geir – Pequeno Dicionário de Arte Poética, página 158. Geir Campos. Editora Conquista. Rio de Janeiro – 1966.
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TREVA ALVORADA_ livro de poesias de MARIANA IANELLI, Editora Iluminuras-2010.

Seria preciso não dizer
E isto fosse o mais fundo
Orgasmo que pranteia.

Mariana Ianelli


A poesia de Mariana Ianelli faz desempedrar o leite essencial ao leitor, desempavesa a alma, alimenta o espírito, como se fosse escrita por um anjo que nos faz abaixar a guarda, nem por isso tudo seus poemas são menos sentidos na carne em outras costuras.
Donald Winnicott, psicanalista inglês dos adolescentes órfãos na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, ou seja, de pessoas em situação de privação, nos fala do amor-boca, voraginoso, puro anseio. Tão comum em homens e mulheres de todas as idades, sejam bem sucedidos ou mal sucedidos, privados do seio imaginário bom, que, na perspectiva winnicottiana, é essencial ao desenvolvimento humano.
Não sei se a autora conhece a obra de Winnicott. Comparemos esse amor-boca a um poço sem fundo. Nossa mão, ou ao menos a mão do leitor agarrada à borda. Leitor saído todo dia e retornado todo dia ao poço apenas para reforçar a sua borda, colocar mais pedras e mais pedras a fim de fugir do fundo. Construtor de uma torre sem fundo, de um amor-boca ansioso por encontrar a Lua, seio inatingível. Cada vez mais alto e mais propenso à queda da torre que anseia ser fálica!
Não temos os melhores prazeres da vida com os pés no chão, mas é impossível viver ao sabor das ondas sem pisar na areia em momento algum. Um farol é preciso para orientar à praia. A poesia de Mariana Ianelli é um convite a um passeio pelas areias do tempo, na praia em que a ampulheta derramou seus grãos para serem beijados com o sal da vida.
Mas a luz do farol precisa vir da torre sem fundo. Ao provocar no leitor fáustico e voraz essa epifania a poeta deixa-o confuso e prostrado. Sua poesia fala ao corpo e à alma. Fala à treva e à alvorada. Fala do amor à treva como se este, somente este, levasse à alvorada, retornada à treva para renascer alvorada todo dia à borda do poço feito lábio no balbucio das primeiras palavras, ainda que o sentimento da poiesis ianelliana seja essencialmente pré-verbal.
Winnicott defende que as pulsões estão vivas e capazes de expressão plena como boas coisas quando há esperança em relação ao mundo interior. Freud tem a famosa frase: "Quem sabe esperar não precisa fazer concessão."
Transcrevo abaixo a última estrofe do poema FLOR DO OFÍCIO, também publicado no Site Oficial da Poeta:


Quase dois mil anos
Guardado no deserto
Um salmo esperou
Para recobrar sua melodia –
E eu não te esperaria?


O poema todo, tão bem acabado nos últimos versos, nos reporta à esperança em relação ao mundo interior. Embora a poeta não seja de natureza introspectiva, busca sempre contato com o sentimento profundo do leitor, e consegue.
Lua em eclipse que lentamente perde a casca de jabuticaba (treva) para mostrar a polpa doce e luminosa, a poesia de Mariana Ianelli faz ter água na boca do poço, água nascida da luz do farol, língua saciada sobre o livro, não sem o sentimento de um entorpecimento e positivo espanto para o leitor.
TREVA ALVORADA, diverso dos livros anteriores da poeta, é um livro de poemas mais concisos e intensos.
Pensava em um verso específico que me marcara na leitura para apor como epígrafe desta resenha, mas ao abrir o livro ao léu outro verso me escolheu para ser reescrito aqui no topo da página. No alto da torre em dia de festa.
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 10/11/2010
Código do texto: T2608183
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