AZUL-CORVO-Adriana Lisboa, Editora Rocco-2010

Sempre pergunto a quem é afeito a lirismos revolucionários o que seria do Brasil se no momento da queda do Muro de Berlim o país fosse comunista. Em geral o que vejo na cara do sujeito questionado é um embotamento.
A partir de um leitmotiv novelesco dos mais simples: uma garota em busca do pai que nunca conheceu, Adriana Lisboa escreve um romance pungente que nos remete à guerrilha do Araguaia, à Lakewood no Colorado e mesmo à Costa do Marfim, mas não é um romance de fragmentação pós-moderna do personagem. A menina apenas quer conhecer sua verdadeira história, suas raízes, inclusive as sócio-políticas.
O deputado Jair Bolsonaro, remanescente radical e extemporâneo da Guerra Fria, diz algo que sou obrigado a concordar, talvez seja a única coisa em que concordo com ele: se a guerrilha do Araguaia não fosse derrotada teríamos hoje umas FARC na Amazônia.
Quanto aos crimes cometidos por ambos os lados ( militares e revolucionários) a Lei de Anistia perdoou. Barbosa Lima Sobrinho ao anunciar a promulgação da Lei disse que se tivesse que escolher um patrono para a Lei de Anistia não saberia qual escolher entre o Duque de Caxias, o General Invencível, que sempre que ganhava uma guerra imediatamente falava em anistia, e Rui Barbosa por ser o melhor negociador em situações de crise, como tentou ser com algum sucesso no início no episódio da Revolta da Chibata, que completou 100 anos de acontecida no outubro passado de 2010.
É interessante como a autora narra a guerrilha, com prosa rica em metáforas sempre pertinentes e leves, com domínio de fatos históricos e percuciência.
No livro há personagem egresso dessa guerrilha, alguém que vislumbrou sua inviabilidade e soube sair a tempo, personagem nem herói nem anti-herói, colocado numa espécie de limbo para intermediar o encontro da garota Vanja com seu verdadeiro pai americano. Personagem que cumprida essa missão esvanece.
Quando entrei para a Faculdade de Ciências Médicas da UERJ em 1973, o fogo-fátuo das barricadas de 1968 começava a ser apagado. No movimento estudantil a palavra de ordem era 1968 não voltará!
Somente o PCB atuava nas faculdades.
Nunca fui filiado. Assisti a algumas reuniões. Um dia me chamaram para ir sábado à noite numa reunião do Clube (era assim que era chamado em código). Disse que não ia porque tinha marcado uma cerveja com meus amigos do ginásio.
“O que é mais importante: a revolução ou a cerveja com seus amigos?”
“Como a revolução não vai acontecer na segunda-feira o mais importante é sair com meus amigos.”
Nunca mais fui chamado para nada. Participei do movimento estudantil como free lancer.
Talvez se tivesse pertencido à geração dos anos sessenta eu tivesse me envolvido mais. Existia muita idealização. Mas por sorte meu pai me avisava para não ser um inocente útil, para tomar cuidado com os estudantes profissionais que só estavam lá para aliciar tolos.
Também quis conhecer o passado do meu país como a garota personagem do livro Azul-corvo. Comecei a aprender história do Brasil ao ingressar na faculdade.
Na faculdade de medicina o último presidente do centro acadêmico,antes dele ser fechado, participou do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. O clima na UERJ foi muito pesado até 1976.
Ninguém deveria viver num país sem conhecer sua história.
O livro de Adriana Lisboa é um livro de amor à história. De exigência da personagem garota em conhecer seu pai. Vai contra a tendência pós-moderna?!!!... de criar personagens sem raízes, contra o lirismo da individualidade absoluta.
Vale a pena conferir.

 
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 23/11/2010
Reeditado em 13/06/2020
Código do texto: T2631676
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