MAR IGNÓBIL-RESENHA DE MARCUS SALGADO. FABIO DAFLON - PACO EDITORIAL-2010.

Há pouco mais de cinqüenta anos, a crítica brasileira e alguns poetas apressados bradavam a extinção do que se convencionou chamar “ciclo histórico do verso”. Desde então, escrever sonetos ou optar por qualquer tipo de forma poética pertencente à tradição versificatória se tornou quase um crime de lesa-majestade. No entanto, João Cabral de Mello Neto continuou escrevendo em redondilhas e octassílabos e tirando proveito da rima toante. De igual forma, outros grandes poetas modernos retornaram a esse rico manancial de formas (e não fórmulas) eternas: Drummond, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Sosígenes Costa etc. Sem falarmos em Bruno Tolentino e Alexei Bueno, ou mesmo Glauco Mattoso – sendo certo que sobre este último paira a aura de ser nada menos que o poeta que mais sonetos escreveu até hoje. Todos estes autores nos ensinaram (e ensinam) que é possível beber nas fontes da tradição, sem, contudo, repetir o que já foi feito. E todos eles mostraram que, evidentemente, mais importante do que a forma de eleição (seja ela a de decassílabos heróicos ou a de versos libérrimos) é aquilo que se diz. Neste processo, a velha forma (quase fadada a se transformar em “fôrma”) do soneto é agenciada para tratar de temas absolutamente contemporâneos e para captar a fugidia subjetividade de nosso tempo. É neste fronte que Mar Ignóbil toma posto, incorporando em suas páginas tanto o patrimônio poético das formas fixas da tradição (particularmente o soneto, que o autor maneja com familiaridade e notável destreza) como as formas instáveis da poesia experimental (do que faz prova um poema quase-concreto como “Cadeia” ou o fluxo emocional que alimenta o poema singelamente intitulado Curto-circuito). O melhor de tudo é que isso é feito sem preconceitos ou esquemas teóricos castradores. A partir deste horizonte onde se desdobra seu fazer poético temos, em fim de contas, um livro de poesia em que se revelam, ao mesmo tempo, um poeta-fabbro de desconcertante ecletismo e segurança formal e um leitor de poesia atento e sensível, que, não resta dúvida, ama o que faz – seja ler ou escrever um poema, dentro ou fora da tradição, mas nunca alheio ao poder ontológico da poesia.


MARCUS SALGADO
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 01/12/2010
Código do texto: T2647772
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