Coelhi, Márcia Etteli. Em versos distantes li estrelas/ Márcia Etteli Coelho. 1ª Ed – São Paulo: Scortecci, 2021.

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Na história da literatura brasileira, quem primeiramente praticou de forma mais intensa a anti-intertextualidade foi a poesia. Entre os modernos, especialmente, Oswald de Andrade, também Mário de Andrade, este último leitor de Tristam Shandy. O advento do modernismo foi o de rechaçar arcadismos e o de renovar as possibilidades textuais ou poéticas numa tentativa de não dialogar com a tradição. Embora saibamos que quando a utopia não dialoga com a tradição há crise, está solidificada a ideia da busca da originalidade eterna radicalizada com o advento do pós-modernismo e mais ainda na contemporaneidade.

Entrementes, todas essas denominações de períodos literários são prenhes de incoerências. A palavra moda, da qual derivou a palavra modernismo, significa o que está acontecendo agora. Pós-modernismo, então, o que está aparecendo depois do agora e contemporaneidade o que nos é contemporâneo, isto é, relativamente aos escritores somos hoje os contemporâneos, não sei como se denominará o próximo período literário, mas se fosse sugerir a denominação do próximo período literário, eu sugeriria chamá-lo de extemporaneidade, com escritores extemporâneos.

Contemporaneamente, um dos maiores defensores da intertextualidade é o poeta Paulo Henrique Britto, indo ao ponto de sugerir o “plágio” , quando, ao realizar o poema, o faz nascer de poema de outro autor. Mais que isso faz a escritora-poeta Márcia Etelli Coelho em seu livro Em terras distantes li estrelas, no qual faz poemas nascerem das obras de grandes poetas como Alexandre Pope, Alexander Pushkin, Almeida Garret, Anna Akhamátova, Arthur Rimbaud, Berthold Brechet, Bocage, Boris Pasternak, Camilo Castelo Branco, Camilo Pessanha, apenas para contar os escribas inspiradores citados pela autora na primeira página do sumário como as distantes estrelas. A ressaltar agora que o livro é lembrete que sugere o conhecimento desses autores, ao todo oitenta e um escritores.

O livro é estruturado da seguinte maneira: oferecidas são duas páginas para cada autor, no topo da primeira página consta o nome do escriba inspirador, na segunda linha o local onde nasceu, a data do nascimento e da morte, logo abaixo uma foto do autor, abaixo da foto há uma brevíssima nota sobre quem foi o autor, e abaixo da nota a citação dos seus principais livros. Constando ao pé da página dois versos ou dizeres em duas linhas de cada um dos escritores inspiradores. Começando na segunda página o título do poema intertextual criado por Etteli inspirado em tal ou qual poeta entre os oitenta e um escolhidos pela autora do livro em tela (Em terras distantes li estrelas).

Ao leitor escarmentado, maiormente ao resenhista, não é difícil encontrar a personalidade ou a mensagem da obra dos autores inspiradores, até porque ao pé da primeira página, das duas linhas a que cada inspirador tem direito, há a epígrafe do poema criado por Etteli na segunda página. No tangente ao que se percebe nos escritos poemas da autora, quase como odes homenageando os autores intertextuais, há um ritmo próprio, apenas quebrado quando o se inspirar em alguém exige a quebra do ritmo. E a maior quebra de ritmo se dá no poema Um sonho profundo, inspirado na obra de E E Cummings, poeta que desestruturou a sintaxe, mais até que Stéphane Mallarmé, autor do poema Um lance de dados, amado pelos concretistas e por literatos de outras tendências.

O alfobre de poetas inspiradores é extraordinário, a sintonia da inspiração da autora com esses criadores de poemas é perfeita. Trabalho de fôlego. Respeito e amor pela tradição e pelos iconoclastas. Arquiteturas dos poemas em conjunto compõem um memorial riquíssimo. Mas seria injusto dizer que o livro não possui identidade própria; mais injusto seria dizer ainda que se tratou de um trabalho de operária formiguinha. A poeta é discreta, quase se esconde atrás da barreira de tão ínclitos poetas e escribas, quer se esconder, mas não consegue. E é o não conseguir que faz do livro a beleza de um trabalho árduo.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 31/10/2021
Código do texto: T7375317
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