Moraes, Neida Lúcia. À sombra do holocausto – São Paulo: Lisa livros, 2010.

Neida Lúcia Moraes (Vitória 1929 - ) é historiadora, ex-professora da UFES, membro titular da Academia Espírito-Santense de Letras e membro do Instituto Histórico Geográfico do Espírito-Santo. Entre suas obras historiográficas e de estudos sociais tem os livros O Espírito Santo é assim, Espírito Santo, esta é sua terra no Brasil, Espírito Santo – lutas e conquistas, entre outras publicações em enciclopédias e atlas escolares e folhetins; romancista premiada com os livros Olhos de ver (Instituto Nacional do Livro), Sete é número ímpar (distinção da Academia Brasileira de Letras), é autora dos romances Simbiose, O mofo no pão – traduzido para o romeno –, O sentido da distância. Tem 15 livros publicados, além de crônicas e artigos em jornais do estado e Lisboa, Portugal. Colecionadora de títulos, diplomas, prêmios nacionais e internacionais, é constantemente convidada para ministrar cursos e proferir palestras no exterior. Seu livro À sombra do holocausto foi traduzido para o inglês e o espanhol.

Em seu livro À sombra do holocausto, a autora nos traz a definição da palavra da seguinte maneira: Holocausto: – Sacrifício, expiação, flagelo; renúncia da vontade própria para satisfazer a vontade de outrem (Pág.5). E na introdução nos informa que o livro trata do caso de Nuno Alves Miranda, preso em 6 de outubro de 1710, pela Inquisição, tendo o auto de fé acontecido em 26 de junho de 1711. Somente após a derrota do nazismo, na Segunda Grande Guerra, o termo holocausto foi popularizado por algum tempo. Os incautos ou apressados podem relacioná-lo com a teoria da eugenia, propalada a partir de Charles Benedict Davenport (eugenista americano, ou com a tese infundada de Oswald Splenger do ciclo biológico das civilizações, em seu livro A decadência do Ocidente, considerado por Jorge Luís Borges um monumento estético, muito bom como livro, mas como já sabido equivocado.

O fato é que a autora nos traz à luz aspectos do antissemitismo no período da inquisição, ocorrida séculos antes do nazismo e perpetrado pela Igreja Apostólica Romana. E se formos bem mais atrás e considerarmos a história do antissemitismo, mais distante ainda, desde a primeira diáspora dos judeus sob o tacão do Imperador Romano Diocleciano, que deteve o poder de governança entre os anos de 284 e 305 depois de Cristo. Antes mesmo do Imperador Constantino, que oficializou a religião católica como romana. E, obviamente, não podemos desconsiderar os motivos econômicos ou étnicos do antissemitismo. Então, à sombra do holocausto nazista há muito mais do que se possa imaginar, desde quando Cristo padeceu sob Pôncio Pilatos, quando os hebreus da Judéia foram inculcados de culpa pela morte de Cristo muito mais que os gentios, por acreditarem que Jesus ainda não era o Messias. Desde então, os judeus tiveram problemas para sobreviver após a diáspora, tornando-se nômades, e se, na Inquisição tiveram de adotar hábitos cristãos, passando a ser chamados de novos cristãos, não esqueçamos do termo ebionita (Que ou quem pertencia a uma seita herética judaico-cristã dos primeiros séculos do cristianismo).

E é a partir do caso de Nuno que a autora nos dá a perspectiva histórica de uma era. E, ao eleger o antissemitismo pré-germânico, nos revela o que existiu no século XVII, a partir da individualidade do personagem, levando o leitor atento a refletir sobre a Inquisição a partir desse prisma antissemita, tanto quanto o fez o historiador Ronaldo Vainfas em seus estudos sobre a Inquisição e o cristão novo no Brasil Colonial. Vainfas também enfatizou aspectos de repressão à diversidade dos comportamentos sexuais, mas Nuno como personagem é emocional e sexualmente absolutamente normal mesmo para os padrões inquisitoriais. É um personagem que de cara nos provoca empatia, e seu único delito é ter sido criado por um padrinho seguidor do velho testamento. Casado com Mariana, as suspeitas que provoca sobre si faz que párocos que o estimam tentem protege-lo, inicialmente, sem conseguirem modificar o discurso de Nuno em relação ao que pensa.

O romance se caracteriza pelo corte curto nos períodos, os diálogos com travessão, e a presença do narrador onisciente, que se esvai nas últimas páginas quando personagens femininas se dispõem a contar a história, Mariana, por exemplo, ou Raquel, filha de Zé Antunes, homem rico, que vende suas joias para financiar o resgate de Nuno, com quem tinha uma afeição recíproca. Agricultor, Nuno queria apenas que o deixassem trabalhar e ser feliz, ter liberdade de expressão, ser plenamente. Mas as sombras do holocausto o atingiram. Então, se vê preso e transferido para Lisboa à época que a exploração do ouro nas Minas Gerais por Portugal estava no auge. Não deixando de explorar a situação geopolítica no Espírito Santo de Antanho, que não teve seus portos utilizados por temor de que se invadissem terras brasileiras por corsários franceses. Um deles Henri, de origem judaica, que morou uns tempos na Pensão de dona Bernardina, um lupanar que faz parte da trama, porque é nos bordéis que mulheres e homens se encontram em tempos de crises, mesmo as atuais.

No romance, há menção a Holanda, país religiosamente tolerante e lugar de fuga de muitos judeus. Há menção ao serviço secreto francês, e às premonições do Iluminismo. Há aventura e desventura, amores e vilanias por causa do amor, como no caso da prostituta que delatou Gonçalo, que era Diego e em Lisboa se tornou Claude, comerciante de perfumes que escapou das galés a que fora condenado. Há tudo que se pode esperar de um bom romance histórico de boa lavra, ótima lavra, que exige do leitor fôlego para pensar enquanto aprende. Surpreende-nos o fim, quando, provavelmente, sob o Cismo de Lisboa de 1755 nos revela o tempo no qual Nuno foi mantido preso. Quando os personagens que mantinham relações de amizade e afeição com Nuno conseguem numa tardia segunda tentativa subornar o chefe da carceragem a fim de que a fuga fosse realizada.

Há autores de romances históricos fantásticos no Brasil, Mary Del Priori, também historiadora, Rubem Fonseca, entre outros. Ao ler pela primeira vez um livro de Neida Lúcia Moraes forcei minha memória a ir para tempos anteriores à Inquisição e tempos posteriores à Inquisição. Isso enriqueceu meus conhecimentos sobre o abominável antissemitismo. E já não me sinto tão ignorante em relação à história do Espírito-Santo. Também por outras leituras como A capitoa de Bernadette Lyra, e O capitão do fim, de Luiz Guilherme Santos neves.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 03/08/2022
Reeditado em 12/09/2023
Código do texto: T7574257
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