Carta Celeste

Admirada por essa sinfonia que há um certo “tempo” percebo entoar em mim sustenida pelo Nada Criativo que me inspira, me aproprio de fonemas e morfemas para arquitetar uma xenodescrição da mesma, vez ou outra esbarrando nos mosaicos distinguíveis de Nicolas Bourbaki :

“Si deve suonare tutto questo pezzo delicatissimamente e senza sordini”

A sua dinâmica, a desse sinfônico desejo, se assemelha à sensação que se tem ao acariciarem os pés as ondas do mar quando a água cristalina e algo tergiversante ao gélido às horas de uma sazonalidade em que o sol se encontra em termos um tanto pungentes, ainda que tal não seja motivo para dele se distanciar - um masoquismo de verão, eu sugeriria com certa timidez de Justine. As borboletas no estômago encontram-se soltas, e sobrevoam dançantes a flor que insurge do caráter asfaltoso do meu sistema tergumentar.

Enterrar castelos com camadas de esquecimento sob o olhar aperolado de um luar sombrio. Admirar-se com o encantamento por flores que murcham diante de suas essências, tal como lhe pregam os farmacêuticos do Amor, aqueles que enxergam nos braços mutilados da Vênus de Milo a falta, a ausência, arrebatados pela negação, saboroso analgésico para as dores do mundo.

Reverberar na própria garganta palavras que povoam como peças de xadrez as casas vazias do tabuleiro, um arranjo apreensível apenas por um ouvido absoluto que se desdobra em sintagmas que se associam entre si pela via do serialismo, aderindo a um tipo de atmosfera caótica cuja resolução se contrai em expressões derramadas por Darius Milhaud sobre um livreto, do qual as linhas se interconectam pelas notas como os arabescos N°1 e N°2 de Debussy repousado sobre as asas de uma contraefetuação da potência de existir.

Não se trata de uma matemática infantil, a qual se articula com a teleologia da reciprocidade. Não cabe a assimilar a uma punição que se lança contra a precariedade que se supõe haver transcrito outros desejos que se manifestaram noutros momentos, ou a uma recompensa por desventuras vividas, como se na crença de um paraíso descansasse algum lapso de ânimo diante da pulsão de morte criptografada no solfejo de uma sentença. Uma realidade espreita monstruosa a sua própria consumação, e acerca dela, só se pode especular, tal como o bicho-papão no quarto de uma criança. Vibrações semelhantes a uma chuva de 2014 AA ocorrem a todo instante.

I hear the roar of a big machine...

A mais-valia subjacente de um tergiversamento aplicado à economia das palavras escritas conduz a uma sodomização dos espaços que no corpo se inscrevem em algarismos romanos, atravessando violentamente fronteiras que as identidades impõem e a zerocentricidade justifica, assaltando de emboscada cada código que por ventura lhe cruze o caminho promovendo determinismos.

Cada associação de fonemas e morfemas serve de istmo entre o conjunto de cordas escondido atrás do véu palatino, cuja melodia equilibra-se entre gesticulações para que não se perceba diminuir uma oitava vez ou outra, e uma perversidade que desmantela a suposta natureza dos sentimentos, tirando desses a camuflagem moralista, e lhes revelando tal como agem - vírus que contaminam a máquina-corpo, fazendo-a sofrer.

I hear the roar of a big machine. Observada por SOHO, é por intermédio da ciografia que se poderá transcrever em bibcodes cada filete da dinâmica desse desejo que mutila com precisão o tecido muscular que separa - como se de fato possível- o mundo em plano sensível e plano das ideias, num alegórico fascismo platônico.

Isto soaria, na melhor das hipóteses, uma bela mentira, a qual, dentre todas, deu certo.

...Dance the ghost with me.

Ne onoz fem, C.B.

Inaê Diana Ashokasundari Shravya
Enviado por Inaê Diana Ashokasundari Shravya em 05/04/2017
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