A imensidão do ar


Se fosse escrito um retrato
do rio que vi levar tanta
gente sem ver meu rosto
no leito, teria de haver
a pausa em mim encontrada
à margem da correnteza
como coisa de estratego
face à cegueira das águas.

A incontinência do tempo
fez o fluxo ser mais forte,
com suas unhas cavou
o eito do rio e a largura
afeita à transbordamentos.

A pausa perdeu a pose
e exigiu manobras várias
no ecletismo da fuga para
onde ninguém se encontrava.

Mesmo quando houve bacia
no espelho da lâmina líquida
a imagem se esmaecia
entre a superfície e o rosto,
como se fosse sol-posto
antes de o sol ter nascido
para desenhar retrato
com luzes vindas de dentro
do rio assim construído
qem projeto barqueiro.

Isso tudo acontecia
com a rapidez de um átimo
a vocação mais sincera
era para ser passageiro
na alegria da viagem
entre o sol que não nascia
e o crepúsculo vingado
pelo trabalho do parto.

Labuta de dia a dia
pelo pão e pelo amor,
entre os suores da força
e os pensares sem fundo
de barco quase à deriva
movido por circunstâncias
que ora criavam atalhos
ora eram sinuosas
como corcova de cobra.

Assim transcorreram décadas,
retratos foram tirados
para documentos, festas
que escondessem o rosto
da face e do semblante,
que somente surgiria
mais adiante e à frente
do espelho das águas do rio.

Quando é o rio que faz pausa
e aguarda quem o desenha,
sem se preocupar com o mar
onde o desenho do rosto
sempre cabe nalgum náufrago
que quis a pressa de ir
onde a doçura da água
não desemboca em catarses,
para no fim
se salgar,
salgar,
sal,
ar.
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 01/10/2018
Reeditado em 02/03/2020
Código do texto: T6465112
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