O POEMA GINECOLÓGICO

O poema vale como tal pelo que nele está inscrito, e só nele, como peça autônoma. A regra é esta para qualquer exemplar deste gênero literário. De nada vale a história do poema para a tentativa de explicá-lo. O poema não se explica. Se o fizermos, foi-se o objeto da Poesia. Ele vale por si ou inexiste como obra poética. É peça única, composta por palavras e não por ideias ou sentimentalismos. O seu mistério vai levar o leitor a tudo isto, conotativamente. A história do poema serve apenas para o experimentador do verso, que em assim fazendo – praticando – já não é mero diletante comandado pela “inspiração”. A história, o fato, é o fio com que se costura a realidade. Mas não é o mesmo fio do tecido da vestimenta poética da palavra. O fato vivido, a ocorrência, o evento real, pode vir a ser, no máximo, centelha desencadeadora do processo de criação do poema. A tarefa do analista é examinar fundo, forma, ritmo e demais características intrínsecas à Poesia, materializada no poema. É caso típico o da abordagem sobre o ato sexual. Acaso o escrito seja apenas o relato da conjunção amorosa – a exaltação da libido enquanto ação – dificilmente há versos com poesia, em sua exação conceitual ou estética. Na conclusão de mérito, absorvendo-se o que nos passa o sentido denotativo, o conjunto dos versos continua sendo, apenas, o exemplar textual ginecológico: a lavratura que o desejo impõe na ausência física do objeto do prazer. E este é essencialmente diferente do poema erótico – aquele que exacerba o mistério de Eros – pois neste estão havidos elementos metafóricos característicos do gênero Poesia, perceptíveis a todos os que o lêem como exemplar estético. No exemplar poético pleno de eroticidade está sempre presente a universalidade e não a pessoalidade, o subjetivismo do autor do ato erótico ficcional ou não. A metáfora é a janela para que entremos nele. O leitor adentra-se à sugestão do escrito, sente-se entranhado nele. E isto excepcionalmente ocorre no exemplar comum do verso da chamada poesia feminina. A tentativa de interpretação do desejo como ato refoge ao campo da Poesia. Não há como fazê-la no espaço rarefeito do poema, mormente na contemporaneidade formal. Porém até a masturbação pode ser a geratriz do poema. É uma questão de saber fazer o poema e não somente o ato do gozo individualista. O vício clitoriano pretendendo fazer lirismo erótico banaliza o poema e mata o mistério que a Poesia encerra.

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2009/12.

http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/1738032